Como tem sido referido por diversos comentadores políticos – entre os quais, o Dr. Luís Marques Mendes e o Dr. Paulo Portas – a questão da competitividade fiscal é uma questão essencial no desenvolvimento do país e deve ser, por isso, o foco de todas as nossas discussões.

Baseando-nos na edição de 2021 do Observatório da Competitividade Fiscal da Deloitte, conseguimos identificar que o mau funcionamento da Justiça, a dificuldade na obtenção de licenciamentos e autorizações camarárias (ou seja, a burocracia de um modo geral), a instabilidade do nosso sistema fiscal e a carga fiscal são os principais entraves ao investimento privado, nacional e internacional.

Há quase uma década, num relatório de Novembro 2013, o Dr. Miguel Frasquilho já fazia notar que a complexidade do nosso sistema fiscal (marcado pela diversidade de obrigações declarativas, pagamentos, isenções, deduções e exceções) trazia uma série de consequências, tais como:

  • dispêndio de tempo (em média, uma empresa despendia 275 horas por ano a preparar, preencher e pagar os seus impostos);
  • gastos avultados com serviços de apoio (necessidade de gastos em serviços de consultoria fiscal, auditoria e contabilidade);
  • evasão fiscal (receita fiscal não cobrada rondava os 10 a 15 mil milhões de euros); e
  • máquina fiscal pesada (cerca de 500 milhões de Euros em despesa e 11 mil colaboradores).

Em cima deste panorama, já de si desanimador, o novo ministro da Economia e do Mar, admitiu que poderia considerar um imposto adicional para os “lucros aleatórios e inesperados”. Ora, tendo em conta os mais de 4.300 impostos, taxas e contribuições já existentes em Portugal, de acordo com um estudo da Confederação Empresarial de Portugal realizado em 2020, continuamos a ver o problema do prisma oposto.

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A provar isto, existem várias experiências, na Europa, de reformas, nomeadamente no IRC, em que a descida deste imposto não leva à perda de receita, mas sim contribui para o seu aumento. Como países onde tal já aconteceu, podemos referir a Irlanda e a República Checa, que em 1995 tinham um IRC na casa dos 40% com uma receita fiscal aproximada dos 1.500 milhões de euros, e em 2003, no caso da Irlanda, com uma taxa de IRC de 12,5%, a receita fiscal já ultrapassava os 5.000 milhões de Euros e em 2013, no caso da República Checa, com uma taxa de IRC de 19%, a receita fiscal também ultrapassou os 5.000 milhões de Euros.

De maneira a potenciar a competitividade do país, identificamos quatro vetores fundamentais, em que são necessárias alterações: (i) redução da carga fiscal, (ii) redução dos custos de contexto, (iii) promoção de uma maior estabilidade fiscal; e (iv) promoção de Portugal como plataforma de entrada em outras geografias.

Concretizando estas ideias, passo a elencar algumas medidas que, sem desequilibrarem as contas públicas, melhorariam a nossa imagem externa e assegurariam um aumento relevante da nossa competitividade fiscal:

  • eliminação das derramas estaduais (receita fiscal de 517 milhões de euros equivalentes a 9% da receita total de IRC em 2020) e derrama municipal (receita fiscal de 283 milhões de euros equivalentes a 5% da receita total de IRC em 2020), o que constituiria uma simplificação significativa do IRC em Portugal (importante para facilitar a compreensão dos investidores internacionais) e que permitiria um salto em termos comparativos da 27ª e última posição para a 15ª posição (a par da República Checa). Como a receita fiscal, em 2020, foi de 43,2 mil milhões de euros, o impacto da eliminação das derramas apenas representaria uma perda de receita fiscal de 1,85%. Idealmente, deveríamos ter uma taxa agregada de IRC abaixo dos 20%, de modo a estarmos no top 8 dos países europeus, mas numa situação de transição poderíamos até passar a uma taxa de 22% (sendo que o aumento dos 21% para 22%, cerca de 292 milhões de euros, poderia ser atribuído aos municípios, compensando assim a perda de receita da derrama municipal) e permitindo que o nosso país ficasse, ainda assim, abaixo da média dos países da OCED (que se fixa nos 22,9%) e a par da Dinamarca e Noruega (entre a 16ª e 18ª posição);

  • simplificação do período de reporte de prejuízos fiscais, devendo os mesmos serem reportáveis pelo prazo de 10 anos (neste momento, e conforme o período em que são gerados, a dedução de prejuízos fiscais pode terminar entre 2024 e 2033, o que origina constrangimentos no controlo de deduções, tanto para o contribuinte como para a Autoridade Tributária);
  • clarificação do conceito de dedutibilidade dos gastos fiscais e imposição de um limite mínimo para o valor ser posto em causa pela Autoridade Tributária, reduzindo o número de conflitos e processos em tribunal;
  • majoração de amortizações em investimentos (ativos fixos tangíveis e intangíveis) que visem a criação de postos de trabalho;
  • extensão do prazo para reinvestimento de mais-valias fiscais, passando de N-1 a N+2 para N-1 a N+4;
  • ampliação do regime simplificado para PME’s (o grosso do tecido português que corresponde a 83% dos contribuintes em IRC) podendo ser aplicado a empresas com volume de negócios até 500 mil Euros (atualmente são 200 mil Euros) e com um total de balanço até 5 milhões de Euros (atualmente são 500 mil Euros), alterando os coeficientes de apuramento de rendimento tributável de modo a aproximá-los das margens de mercado e tornando, assim, o regime mais atrativo (de notar que neste momento o regime é utilizado por 2,6% dos contribuintes);
  • redução da taxa de IVA de 23% para 20% (ainda que se possa considerar o aumento da taxa mínima de modo a minimizar o impacto desta medida, tendo por base o exemplo da Áustria que tem uma taxa reduzida de 10%), conseguindo que Portugal passe da 21ª posição (em 27 países) para o top 10 (Áustria, Bulgária, Estónia, França e Eslováquia têm 20% como taxa normal e apenas 5 países têm uma taxa normal menor);

  • redução do prazo de arquivo dos documentos fiscais, passando de 10 para 4 anos e possibilidade de digitalização dos anos em aberto;
  • redução do prazo legal para a Autoridade Tributária responder aos pedidos de informação vinculativa urgentes, passando de 75 dias para um prazo máximo de 30 dias, assim como a redução do prazo legal para a Autoridade Tributária responder aos pedidos de informação vinculativa sem caráter urgente, passando de 150 dias para um prazo máximo de 75 dias;
  • mecanismos legais para que uma lei, decreto-lei ou regulamento se mantivessem em vigor e inalterados por um período mínimo de 4 anos;
  • alargamento do número de convenções para evitar ou reduzir a dupla tributação internacional (ADT’s). Atualmente, Portugal conta com praticamente 80 ADT’s, o que não difere muito de países como a Holanda (80), Alemanha (86) ou Espanha (87) mas ao comparamos com França (103) ou Reino Unido (115) já verificamos algumas limitações. De modo a colocar o nosso país como um veículo para o investimento noutras geografias, por comparação com os países atrás referidos, é fundamental apostar nos mercados de África (com especial relevo para Camarões, República Centro-Africana, Congo, Egito, Gabão, Gana, Nigéria e Zâmbia), na América do Sul (devendo os nossos esforços recair na Argentina, Bolívia e Equador) e na Ásia (apostando no Bangladesh, Malásia, Mongólia, Filipinas, Sri Lanka, Taiwan e Tailândia);
  • reformulação da lista das entidades com domicílio fiscal em país, território ou região sujeito a um regime fiscal mais favorável (atualmente esta lista inclui 80 jurisdições), de forma a harmonizá-la com a lista da União Europeia, que apenas contém 12 jurisdições;
  • disponibilização gratuita, no Portal das Finanças, de um programa de faturação certificado para entidades residentes com volume de negócios até 500 mil euros e entidades não residentes;
  • aplicação generalizada da taxa reduzida de IVA aos serviços de hotelaria, restauração e atividades de construção (ampliando o regime das empreitadas de reabilitação urbana);
  • eliminação ou redução substancial do âmbito de incidência do Imposto do Selo em financiamentos, reduzindo assim os custos inerentes ao investimento;
  • revisão do sistema de vistos Gold, implementando um sistema para Lisboa (para imóveis com custo de aquisição mínimo de 500.000 euros) e outro que abrangesse o resto do país (para imóveis com custo de aquisição mínimo de 200.000 euros). Contudo, e de modo a evitar utilizações abusivas, o sistema apenas estaria disponível para cidadãos da União Europeia ou de países com quem Portugal tenha estabelecido um ADT;
  • criação de um sistema tributário especifico e pro-business adaptado aos negócios digitais (e-commerce, marketplaces, dropshipping e serviços de streaming são alguns exemplos), criptomoeda, apostas on-line, etc; e
  • informatizar, centralizar e uniformizar os procedimentos de licenciamentos e autorizações camarárias