Eu, em 2014, no meu último ano da licenciatura fiz Erasmus e vivi longe dos meus pais e do meu país pela primeira vez. Foi uma ida temporária para Itália mas que deu imenso stress e ansiedade porque saí sozinho e de forma muito radical do meu ambiente natural. Mas a liberdade de poder fazer o que queria sem ter de prestar contas a ninguém foi fenomenal, primeiro estranha-se e depois entranha-se.

Quando regressei a Portugal tive a minha depressão pós-Erasmus. Depois do canário sair da jaula, não consegue voltar lá para dentro. Era assim que me sentia de volta a casa. Tinha de voltar a ter a minha liberdade e independência. Escolhi a Polónia porque no Erasmus tinha feito amigos de Cracóvia.

Na altura Portugal estava com uma taxa de desemprego jovem pela ordem dos 33%. Muito surpreendidos ficaram os meus pais quando em apenas 10 dias de enviar CVs e sem qualquer experiência laboral, tinha contrato de trabalho assinado para ir para um país que nunca tinha visitado para ganhar sensivelmente o que ganharia depois de um estágio se continuasse em Portugal. Estando a Polónia na União Europeia e com acesso à Internet e ao LinkedIn, foi fácil demais, bastou comprar os bilhetes de avião.

Quando a minha avó descobriu, começou a chorar: “Vais fazer o quê para um país comunista?” Os meus colegas de curso de Economia nunca disseram tal asneira, mas todos estavam bem perplexos: como é que eu tinha mudado tanto em tão pouco tempo, e que raio iria eu fazer para um país que no imaginário português da altura tinha um PIB per capita equivalente a uma tosta mista e uma meia de leite?

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Como é normal com qualquer grande mudança, nem tudo é um mar de rosas. O desconhecido envolve riscos, há sempre medo e ânsia antes de partir para uma realidade nova onde não se tem as estruturas às quais se está habituado. No meu caso, como ficar seria definhar, tornou-se uma obrigação experimentar algo novo, mas ainda assim custou. E na altura os meus planos eram apenas estar por Cracóvia uns mesitos a trabalhar, poupar uns trocos e decidir onde fazer o mestrado.

Para minha surpresa, gostei bastante de trabalhar na Polónia. Amigos novos, novas histórias, uma cidade bem limpa e segura, e uma enorme facilidade de mudar de emprego e receber aumentos salariais bem significativos. Quem está mal, muda-se; e eu estava já demasiado confortável para parar com a minha experiência profissional, mudar novamente de país e voltar para a universidade. A minha estadia continuou, passei a ter de dizer que estava na Polónia há x anos em vez de há x meses.

Apesar de com a Internet e o Whatsapp ser super fácil manter o contacto, a minha avó, que em Portugal estava habituada a ver-me 3 vezes ao mês e não 3 vezes ao ano, implorava-me para regressar a Portugal: “O António Costa baixou o IRS para os emigrantes, porque não voltas para cá que eu tenho muitas saudades tuas?”. As explicações de que apesar disso ganhava bastante mais cá em termos brutos, e que tinha uma carga fiscal menor, mesmo considerando em Portugal o Programa Regressar, entravam por um ouvido e saíam pelo outro.

“Avó, se quer mesmo que eu volte a Portugal, o PS tem de sair do poder”, dizia-lhe eu, mas era uma resposta que ela nunca conseguiu aceitar. Na visão dela, tinha sido o Passos Coelho que lhe tinha cortado na pensão: nunca mais teria o seu voto. O facto de lhe dizer que tinha sido o PS de Sócrates que tinha levado o país à bancarrota e que o PSD já nem sequer era liderado pelo Passos Coelho não fazia qualquer diferença.

Mesmo sendo a minha avó, não era possível haver convergência de opiniões — talvez fosse expectável, ela tinha nascido nos anos 30 e não tinha concluído a 4.ª classe, e eu tinha nascido nos anos 90 e tinha um curso superior. Ela simplesmente não estava disposta a correr os riscos associados a uma mudança até porque na mente dela quando o PS saiu do poder, foi aí que a situação se agravou.

Com o passar dos anos, Portugal continuou governado e desgovernado pelo PS, a estagnação económica evidente para todos. A minha vida na Polónia, essa felizmente continuou a melhorar. Sinto até por vezes dificuldade em explicar a quem nunca saiu de Portugal o quão diferente as perspectivas de vida são numa economia que cresce:

O aeroporto de Cracóvia já não é um armazém frio com uma pista de aterragem. Para ir a Portugal já não é necessário fazer escalas em Bérgamo, Eindhoven ou noutro sítio qualquer. Os trams e os comboios a circular já não se parecem com caixotes a caírem de velhos e herdados do comunismo. O salário médio líquido nesta cidade passou dos ~725€ em 2014 para ~1,525€ agora em 2024 – sendo que qualquer português só pelo facto de dominar outros idiomas consegue vir para cá e auferir valores superiores à média polaca. É notável ver como aqui há sempre mais prédios a serem construídos, mais empresas a abrirem Shared Service Centers, mais e melhores ligações com o resto da Europa e do mundo. Os polacos já não me perguntam com enorme curiosidade o que está um português a fazer aqui, agora apenas assumem correctamente que, como muitos outros portugueses, vim para cá trabalhar, apenas ficam surpreendidos quando descobrem que a minha estadia aqui já vai fazer 10 anos.

Houve, como em todo o lado, períodos com bastante turbulência: pandemia, inflação, abusos por parte do poder político, e até uma invasão do país vizinho, mas enquanto os custos de vida aqui cada vez mais se assemelham aos de Portugal, os salários cada vez mais se parecem com o de outros países da Europa Ocidental.

Os Bálticos, a República Checa, a Eslováquia, a Hungria e até a Roménia também já começam a ultrapassar Portugal. A excepção não é a realidade da Polónia, a excepção é mesmo Portugal ficar para trás.

Como emigrante, posso afirmar que por um lado no início foi muito difícil mudar. Mas por outro lado, vendo o quão caro sai ser-se contribuinte em Portugal, mais difícil teria sido ficar sempre no mesmo sítio onde nasci.

Uma população idosa e que vota sempre no mesmo não precisa de ser um entrave a uma mudança de paradigma, a Polónia também tinha um governo populista com o apoio das camadas mais velhas do eleitorado e que manipulava as narrativas através do controlo que tinha dos órgãos de comunicação social – e ainda assim, com uma enorme mobilização dos jovens e com uma taxa de abstenção inferior à das primeiras eleições após a queda do comunismo, foi possível mudar de governo.

A lição que a Polónia nos dá é esta: a degradação das instituições e da economia portuguesa não precisa de ser um fado — toda a Europa de Leste que com a herança do comunismo esteve durante tanto tempo arruinada consegue crescer e aproximar-se do nível de vida dos países ricos. Portugal apenas continua parado porque insiste em apostar em políticas económicas socialistas mais parecidas com o que é praticado em alguns países da América Latina e não em políticas económicas liberais que são o mais normal na Europa.

Já não sou quem era quando vim para cá — gostaria de poder ter em Portugal o mesmo nível de rendimento que tenho aqui. Gostaria de ter invernos onde os dias não acabam às 15h30 e onde está sempre frio, neve e gelo. Gostaria de poder comer francesinha, bolinhos de bacalhau e caldo verde quando me apetece, e de isso não ser um luxo reservado apenas para as férias. Gostaria de não ter de lidar com as despedidas no aeroporto. Gostaria que os meus amigos e família ainda em Portugal pudessem ter uma vida mais digna. O único entrave a isto é a incapacidade que Portugal tem tido em mudar de políticas.

Infelizmente nunca consegui convencer a minha avó a deixar de votar no PS, e agora também tal já não vai ser possível visto que a idade e o Alzheimer não perdoam. Mas espero que a minha experiência sirva para demonstrar ao leitor que o maior risco que Portugal corre não é o da mudança mas sim o da continuação destas políticas que cada vez mais nos deixam na cauda da Europa.