A Igreja, embora reconheça à mulher a mesma dignidade que atribui ao varão, não lhe permite o exercício de todas as funções eclesiais. As fiéis católicas não podem ser padres nem bispos, por um princípio que a máxima autoridade eclesial atribui ao próprio Cristo e, por isso, estão excluídas dos cargos e ministérios que exijam o carácter sacerdotal ou episcopal. Portanto, nenhuma mulher pode ser papa – a ‘papisa’ Joana é apenas uma lenda, sem correspondência com a realidade histórica – nem bispo, ou pároco.
Nas congregações religiosas femininas são, contudo, as mulheres que se governam a si próprias: não há conventos femininos que sejam dirigidos por homens. Muito antes da sociedade civil permitir às mulheres cargos de chefia – nalguns países, nem sequer chefes de família podiam ser! – a Igreja já lhes reconhecia a capacidade para gerirem instituições locais, nacionais e até mundiais. Mesmo nas entidades religiosas em que há um ramo masculino, as superioras dos conventos femininos são sempre mulheres. Houve até abadessas com jurisdição quase-episcopal, a quem competia a nomeação dos capelães conventuais, cujas faculdades ministeriais lhes eram concedidas pela superiora monástica. Essas mulheres só estavam submetidas à autoridade das suas superioras na ordem e, obviamente, ao Papa.
Há instituições religiosas que são apenas femininas, como as doroteias, e outras que são exclusivamente masculinas, como os jesuítas. Também há realidades eclesiais que são simultaneamente femininas e masculinas, mas não conventos mistos. Não obstante esta separação, homens e mulheres podem professar a mesma espiritualidade, seja ela franciscana, carmelita, dominicana, paulista, salesiana, etc.
O Opus Dei não é uma congregação religiosa, nem é equiparável a essas veneráveis instituições eclesiais: a grande maioria dos seus membros são leigos casados, que têm uma profissão e que vivem com as suas famílias. Inicialmente, o fundador, São Josemaria Escrivá, pensou que o apostolado por ele iniciado destinava-se exclusivamente aos varões, talvez porque nessa altura era ainda muito exígua a presença feminina no mundo laboral. Mas, pouco depois, Deus fez-lhe ver que a mesma actividade apostólica que desenvolvia com homens de todas as condições e profissões, deveria também realizar com mulheres e que estas deveriam ser, em tudo, iguais a eles: os apostolados do Opus Dei, masculino e feminino, são, por isso, simétricos.
Desde então, o Opus Dei, não obstante a sua unidade de espírito e de regime na pessoa do seu prelado, desenvolve a sua acção pastoral em duas vertentes: a masculina e a feminina. Também há, é certo, obras corporativas conjuntas, como podem ser as universidades, clínicas, dispensários médicos, escolas de negócios, etc., em que trabalham conjuntamente mulheres e homens do Opus Dei. Por exemplo, a AESE, uma business school portuguesa, é actualmente dirigida por uma directora-geral. Os colégios Mira-Rio e Horizonte, em Lisboa e no Porto, respectivamente, bem como a Escola profissional Val do Rio, no Estoril, são também dirigidas exclusivamente por mulheres, como aliás todos os centros femininos da prelatura.
No Opus Dei, para evitar qualquer tipo de governo pessoal, que poderia degenerar em tirania, os órgãos de chefia – local, nacional e mundial – são colegiais e as decisões são tomadas por maioria de votos. Nestes apostolados pratica-se um são ecumenismo, pela activa colaboração de pessoas que não são fiéis da prelatura e que podem não ser católicas, nem cristãs, ou crentes de outras religiões, agnósticas e ateias.
Se é verdade que há um grande paralelismo entre os apostolados masculino e feminino do Opus Dei, também é verdade que há excepções. É o caso das numerárias auxiliares: as mulheres que, por opção pessoal, se dedicam ao atendimento dos centros da Obra, femininos e masculinos, bem como das casas de convívios, retiros, etc. Cabe-lhes a administração desses instrumentos apostólicos, mas não como ‘empregadas domésticas’ das outras numerárias, nem dos numerários. As primeiras mulheres que exerceram essas funções foram a mãe e a irmã do fundador que, não sendo da Obra, contribuíram para o ambiente familiar dos centros do Opus Dei. Por isso, as numerárias auxiliares são, para os fiéis da prelatura, como se fossem a sua mãe e irmãs e, como tal, são consideradas, respeitadas e estimadas.
Como acontece em qualquer família, cada casa ou centro governa-se a si mesmo, sobretudo com as pessoas que nele vivem e que, com o seu trabalho profissional, devem prover ao seu sustento. Às vezes, recorre-se também à ajuda de pessoal externo, masculino ou feminino, como auxiliares de limpeza, jardineiros, etc. A administração desses centros compete às numerárias e, sobretudo, às auxiliares, que recebem a formação correspondente, que vai da dietética à decoração. Algumas numerárias e auxiliares também dirigem ou trabalham, com profissionalismo e competência técnica, em atelieres que se encarregam da confecção e reparação de paramentos litúrgicos, objectos de culto, restauro de antiguidades, etc. Outras há que se dedicam, também com carácter profissional, à edição e impressão de textos, direcção e docência de escolas de ciências domésticas, etc.
São Josemaria exigia às numerárias auxiliares, como aliás a todos os outros fiéis da prelatura, uma exigente preparação profissional. Também lhes pedia que estivessem a par das inovações tecnológicas relativas ao seu trabalho e, para esse efeito, visitassem as feiras internacionais do sector. Também elas, no exercício do seu trabalho, devem estar tecnologicamente actualizadas, como qualquer profissional que se preze.
Não estranha, por isso, que as numerárias auxiliares não sejam, no Opus Dei, fiéis de segunda classe. Pelo contrário, como gostava de dizer o fundador, o seu trabalho de administração dos centros é tão essencial que, na realidade, é o apostolado dos apostolados. Longe de serem as ‘gatas borralheiras’ da prelatura, ou as ‘criadas’ das numerárias e dos numerários, são autênticas profissionais que, até a nível pessoal, muitas vezes nada ficam a dever às outras numerárias, nem sequer na sua formação doutrinal. Com efeito, as auxiliares, como as outras numerárias, também fazem estudos de filosofia e teologia. Algumas são licenciadas e, por sua livre opção, podendo ser numerárias, preferiram contudo ser admitidas na prelatura como auxiliares, por se sentirem especialmente vocacionadas para essa missão.
Na cripta da igreja prelatícia, em Roma, onde descansaram os restos mortais de São Josemaria, entretanto trasladados para a nave central, jazem os seus sucessores, os bispos prelados do Opus Dei, beato Álvaro del Portillo e Javier Echevarria. Há lá só mais um corpo: o de Dora del Hoyo, numerária auxiliar. Apesar de tantas numerárias e numerários já falecidos – alguns dos quais foram ilustres professores universitários, ministros, bispos, deputados, embaixadores, banqueiros, cientistas, generais, artistas, etc. – a única fiel da prelatura que, até à data, repousa na cripta da igreja prelatícia foi apenas e só numerária auxiliar. A sua discreta presença naquele lugar não é publicidade enganosa, nem demagogia barata, mas a genuína expressão de uma revolucionária verdade desde sempre vivida nesta instituição: a igual nobreza de todas as profissões humanas e a comum dignidade eclesial de todos os filhos de Deus.
E não há numerários auxiliares no Opus Dei?! Sim, de certo modo há, mas não com esse nome: são os padres da prelatura, que estão igualmente ao serviço dos homens e mulheres do Opus Dei. Também eles, com o seu ministério sacerdotal, têm uma missão de serviço dos leigos da Obra e de todas as almas. Tanto nos centros masculinos como femininos, o capelão não manda, nem tem, em princípio, funções de governo, mas está ao serviço de todos, para o que for necessário. Obviamente, no que diz respeito ao seu ministério, actua sempre com a total liberdade que os fiéis do Opus Dei têm em relação às questões profissionais. Mas, do mesmo modo como as numerárias auxiliares não são menos do que as outras numerárias, os sacerdotes também não são mais do que os outros numerários.
Quando, em 1946, foi formalmente pedida à Santa Sé a institucionalização canónica do Opus Dei, alguém da cúria romana, dando-se conta da sua inovadora concepção do papel e missão do laicado, comentou que o Opus Dei tinha surgido na Igreja com cem anos de antecipação. Só vinte anos depois, com o Concílio Vaticano II, se proclamou solenemente o chamamento universal à santidade, que o fundador pregava desde 1928; e só com a promulgação da constituição apostólica ‘Ut sit’, a 28 de Novembro de 1982, fez agora precisamente trinta e seis anos, o Opus Dei pôde finalmente receber a sua configuração jurídica definitiva, como prelatura pessoal, uma estrutura eclesial análoga aos ordinariatos castrenses. Mas, noventa anos volvidos sobre a sua fundação, ainda continua a ser uma novidade no que se refere à igual condição eclesial de homens e mulheres, ao protagonismo dos leigos no apostolado cristão e – espantem-se! – ao seu salutar anticlericalismo.