Das muitas expressões interessantes que a economia inventou – pelo menos interessantes para os economistas, esses bichos muito particulares – uma sempre me apelou particularmente: “to ride the yield curve”. A tradução mais literal poderá apontar para “cavalgar“, mas como bom português, eu prefiro um mais marítimo “navegar na curva de rendimentos”.
A curva de rendimentos é a representação em gráfico de um conjunto de correspondências entre taxas de juro e prazos. Como exemplo, a uma data específica e para a República Portuguesa, é útil ter num gráfico a lista de prazos das suas obrigações (as dívidas emitidas) e as taxas de juro correspondentes, uma vez que este gráfico permite comparar com o mesmo gráfico, noutras datas, ou com o de outros emitentes (outras nações, por exemplo) e assim poder retirar conclusões sobre algumas das expectativas de retorno dos investidores. É esse tipo de análises que um investidor necessita construir se quiser fazer um investimento mais consciente.
Esta curva é tendencialmente inclinada positivamente – os prazos mais longos e futuros são normalmente aqueles onde as taxas e remunerações são mais elevadas. Quando não o são, os economistas tendem a sentir-se perdidos porque alguns dos seus modelos deixam de fazer sentido e um economista sem o seu modelo não é ninguém, mas também porque os incentivos de investimento começam a padecer de algumas maleitas (que não irei desta vez desenvolver).
A navegação da curva de rendimentos é algo que ocorre pela utilização deste diferencial de taxas, arbitrando as taxas tendencialmente mais baixas de curto prazo com as mais elevadas, de longo prazo. Este é o princípio básico da rentabilidade financeira dos bancos, que emprestam normalmente aos seus clientes a taxas mais elevadas e a prazos dilatados os fundos que recolhem a taxas mais modestas por via da captação de recursos mais voláteis, de curto prazo.
A explicação dos extraordinários lucros elevados no sector bancário nos anos recentes proveio desta dinâmica ter sido acentuada pelo aumento das taxas de juro pelo Banco Central Europeu, ao passo que os cortes de setembro e outubro, aliados à perspetiva de cortes no futuro próximo levam a que o discurso público dos bancos sejam o de alguma expectativa e o de colocar alguma água na fervura…
Os bancos, como intermediários que são, tenderão sempre a beneficiar das subidas de taxas por via da navegação na curva, mas também porque a atividade de intermediação é mais fácil e proveitosa quando os números são maiores, e o espaço entre eles não permite ao cliente e ao cidadão comum ter a perceção de se está a ser ou não explorado.
Deste modo, os lucros recentes da banca nacional podem atribuir-se a um esforço de modernização que tem ocorrido nos últimos anos, mas provém também de circunstâncias transitórias e passageiras. E é este misto de benefício surgido de competência com pura sorte, aliado a um crónico pensar nacional de que o banco é um usurário, e a contas públicas cronicamente deprimentes que permite e incentiva que no próximo ano se mantenha a “Contribuição sobre o sector bancário” no Orçamento do Estado.
Dizem os princípios da microeconomia que um dos grandes riscos para os lucros uma empresa é a inveja dos seus concorrentes. A inveja pelo sucesso de outros pode levar a decisões irracionais por parte de quem sente que deveria ter uma parte do bolo, e que sente não ter. Mas creio que, inspirados na situação nacional, se poderiam escrever livros sobre a inveja estatal sobre os o progresso e sucesso dos seus cidadãos e empresas.
Já se sabia que um empregado de classe média na generalidade dos países europeus está sujeito a taxas leoninas de IRC em Portugal, mas até nas empresas (incluindo a banca), o sucesso e a rentabilidade são alvo de cassação.
No novo ano, com um novo orçamento, manteremos os já velhos Adicional ao IMI (AIMI), Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB) e o Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (ASSB). Ah, e a Contribuição extraordinária sobre os fornecedores da indústria de dispositivos médicos do Serviço Nacional de Saúde e a Contribuição sobre a Indústria Farmacêutica (CEIF), não vão esses grandes conglomerados nacionais das farmacêuticas investir os seus lucros na busca da cura para doenças raras!
A longa lista encontra-se na proposta de Orçamento entre os Artigos 82º e 87º. Se alguém quiser um pouco mais de fúria tributária, há ainda uma proposta extra (1808C) para uma contribuição extraordinária da banca. Além da Contribuição e do Adicional, passar-se-ia a ter a Contribuição, o Adicional, e a Contribuição Extraordinária, ficando a faltar o Adicional Extraordinário, a Contribuição Adicional, e imaginação e/ou sinónimos para mais tributos e pagamentos.
A “Contribuição” remonta já à Lei n.º 55-A/2010, e o “Adicional” à Lei n.º 27-A/2020. Nenhum deles inventado no decorrer dos aumentos recentes de lucros na banca, motivo pelo qual aparentemente é agora defendida a sua manutenção.
Se é defensável que em momentos pontuais se possam tributar eventos especiais (como aconteceu durante a pandemia) esta incapacidade tributária de definir regras e critérios de longo prazo dificultam a execução fiscal, e introduzem uma arbitrariedade para os contribuintes que indicia que ninguém está a salvo da voracidade tributária.
A questão que gostaria neste Orçamento do Estado de ver aprofundada era a de que considerando a importância do setor bancário para a economia, como se pode encontrar um equilíbrio entre a necessidade de arrecadação tributária e a importância de preservar a saúde das instituições financeiras? Que critérios utilizar? Como calcular o valor adequado de arrecadação? E qual o limite? Há limite? Até quando manter medidas extraordinárias?
Se um investidor olha para uma curva de rendimentos e deduz uma estratégia de investimento para a navegar (que pode ter ou não sucesso), o Estado central parece cada vez mais que cavalga apenas o contribuinte, com pingalim na mão, sem nunca correr sequer o risco de alguém lhe lembrar que para tributar, alguém teve de criar.