Antes de mais: a minha profunda gratidão a todos os profissionais de saúde que cuidam dos seus pacientes com eficiência, vocação, rigor e…empatia.
O título deste artigo prende-se precisamente pela, cada vez maior, escassez desta última característica.
Todos os dias somos bombardeados com várias notícias que nos fazem constatar o óbvio: os serviços de saúde em Portugal estão sobrecarregados. São listas de espera intermináveis, urgências a fechar, falta de recursos humanos. O sistema — por motivos variados — não funciona tão bem quanto devia.
As consequências são várias, mas um episódio recente fez-me “regressar ao passado” e voltar a lidar com um em particular: a total falta de empatia com os pacientes.
Sim, é verdade que são milhares os pacientes que passam por cada unidade de saúde diariamente. Cada um com os seus males e maleitas. E se essa maleita parece gravíssima ao paciente, é “só mais uma” para quem o atende.
Segundo o Relatório de Saúde STADA 2023, que entrevistou 2.000 pessoas em Portugal, 74% da população portuguesa estava satisfeita com o serviço nacional de saúde em 2021. Este valor baixou para 53% em 2023. A tendência é continuar a descer.
Não farei distinção entre o serviço privado e o público pois, a meu ver, a linha que os separa é cada vez mais ténue.
Bem, vamos ao tal episódio. Uma história banal: uma amiga de longa data, nos seus 40 anos, decide que quer engravidar. Marca uma consulta para ver se está tudo bem com ela e com o seu companheiro.
O que não é banal nesta história: esta amiga já perdeu uma filha com uma doença genética raríssima. A mãe tem, portanto, este gene e, para saber se pode avançar ou não com uma gravidez, precisa de saber se o seu companheiro, que nunca teve filhos, também o é.
Feitos os exames (caros, por sinal), têm agora que aguardar 5 semanas pelos resultados. Findas as 5 semanas, não há resultados. A ansiedade começa a instalar-se. O laboratório ainda não os tem e ao telefone é dito que “não sei porque não temos os resultados. Conte com eles só daqui a 10 dias”. Respiremos fundo. Atrasos acontecem.
Um breve resumo: foi feito o primeiro estudo genético e, devido aos resultados, a médica – sem informar a paciente — pediu um segundo estudo. Ao telefone, ao perceberem a ansiedade da minha amiga com esta situação, alguém fez questão de dar a seguinte informação: “Foi mesmo necessário este segundo estudo. A médica depois explica…e vocês enquanto casal terão que tomar uma decisão”.
Calma, vamos com calma. Uma decisão? Que decisão? Que diz nesse estudo que os fará, enquanto casal, terem que tomar uma decisão?!
Não há respostas do outro lado, mas há nesta paciente — que é uma mãe que já perdeu uma filha — um reviver do passado e um desespero que se instala. Será possível que terá que passar por esta situação novamente?
Em março de 2022, era eu a futura mãe em desespero. Ao fim de uma hora numa consulta de ecografia, sem o médico proferir uma palavra, é me dito que não está tudo bem e devo entregar com urgência o relatório da ecografia ao meu médico de família.
No mesmo momento, dirijo-me ao centro de saúde. O médico respondeu-me que, pelo que ele viu, estava tudo bem e era um manifesto exagero de quem tinha feito a ecografia. Só para não haver nenhum problema, iria pedir-me uma consulta para a Maternidade Alfredo da Costa.
Poderia dizer que senti alívio nesse momento, mas não é verdade. As dúvidas e a ansiedade de uma mãe de primeira viagem instalaram-se. Saí do centro de saúde e dirigi-me ao Hospital da Luz para fazer uma nova ecografia.
Expliquei a situação à médica e mostrei-lhe o relatório do seu colega. Vamos a nova ecografia. Demorou menos de 5 minutos para que esta médica confirmar que havia um problema. A bebé que carregava, tão amada e desejada, era incompatível com a vida.
Mas há menos de 2 horas atrás o médico de família tinha-me dito que estava tudo bem…
Várias voltas dadas, acabei com uma amniocentese marcada para daí a dois dias no hospital de Loures. Uma amniocentese é um exame algo arriscado, mas comum. Preparei-me para o mesmo com alguma descontração.
Dois dias depois, lá estávamos eu e o meu marido, no gabinete médico para o exame. O médico começa a descrever o procedimento e diz algo como “como sabem a bebé tem um problema e o feticídio funciona da seguinte forma…”.
Lembro-me de cruzar, incrédula, os olhos com o meu marido. De que estava o médico a falar? Eu ia apenas fazer uma amniocentese.
O médico, ao ver as nossas caras apercebe-se da situação e pergunta se não nos foi dito o que iríamos fazer. A nossa resposta foi que não. Não foi para aquilo que nos preparamos.
Em 48 horas tivemos a informação de que estava tudo bem com a nossa filha, de que afinal não estava e agora que faríamos um feticídio sem qualquer aviso ou preparação para tal. O meu marido pediu de imediato que eu recebesse apoio psicológico naquele momento. O médico respondeu que poderia solicitar, se ele considerava importante. Haveria dúvidas de que era importante?
Foi feito o que tinha que ser feito. Daí a dois dias fiz o parto desta bebé. Sozinha num quarto de hospital. Sim, sozinha. Sem enfermeiros, nem médicos pois estavam ocupados noutros quartos.
Comigo, com a bebé sem vida nos braços, uma enfermeira entrou disparada no quarto, tirou-ma e chamou uma colega que me deu uns papéis de autópsia para assinar.
Doei o corpo da menina à ciência. Já a empatia… ninguém pode doar.