Foi Platão que disse que a opinião é o meio entre conhecimento e ignorância. Sempre existiram opinadores profissionais. Na Idade Média os arautos tinham como funções realizar proclamações solenes, transmitir mensagens da coroa ou anunciar proclamações de guerra ou de paz. Hoje vestem-se de supostos especialistas de tudo em geral, mas nada em concreto (e não, não estou apenas a falar do Pedro Marques Lopes).
O passado recente foi povoado de acontecimentos em que estes paladinos do saber de pena em riste vieram cultivar-nos com a sua opinião mordaz.
Um tema é a tão celebrada “transição energética”. É unânime que não poderemos a médio/longo prazo continuar a depender exclusivamente dos hidrocarbonetos que extraímos do solo e estamos conscientes que teremos de converter a nossa economia e meios de produção para meios que recorram a fontes de energia renovável, contudo quando nos vemos confrontados com as implicações práticas destes processos este nosso ímpeto fica resfriado: queremos carros não poluentes, mas não queremos que o lítio seja extraído à nossa porta (se for na dos outros já não é problema), queremos energia eólica mas não gostamos do impacto visual das torres, gostamos de energia limpa mas não queremos pagar mais por ela.
O turismo é outro caso curioso. Os governos recentes aceitaram (ou melhor resignaram-se) a aceitar que o parco crescimento económico do país fique assente quase exclusivamente no setor do turismo: com uma média salarial baixa, mão-de-obra pouco qualificada (maioritariamente imigrante) e com baixo volume de retorno sobre investimento (ROI) somos hoje um país que gradualmente se torna numa colónia de férias para reformados nórdicos ou de outras paragens. Gostamos que nos visitem e sobretudo do dinheiro que cá deixam quando nos visitam (as taxas turísticas municipais têm-se multiplicado na mesma proporção), mas certos grupos políticos e sociais encontraram-lhes outro uso: de bode expiatório para os problemas decorrentes das insuficiências do Estado nas áreas da habitação e mobilidade urbana. Se temos poucas casas ou casas caras a culpa é do estrangeiro, mas não de um estrangeiro qualquer (porque isso é uma coisa feia que começa com “r” e acaba em ismo), é culpa do chamado nómada digital, uma espécie de colono burguês que vem para cá com o único intuito de desfrutar das nossas casas, restaurantes, praias e espaços de co-work mas sobretudo fazer-nos a vida negra. É uma espécie de xenofobia gourmet, perfeitamente legítima e aceitável (até trendy, porque não?) que vem desviar a atenção das pessoas para as sucessivas insuficiências governativas dos programas públicos de habitação. Não há casas para habitar porque não foram construídas em quantidade suficiente, o tempo e custo de licenciamento das que se constroem são elevados e grande parte dos imóveis do Estado estão em desuso ou sem aproveitamento (aqui podia morar gente! dizia-se em tempos). É como se todo o problema habitacional do país se resumisse ao que acontece em 7 ou 8 freguesias da baixa de Lisboa e Porto.
A saúde. A pasta sempre mais pesada de um governo até porque, como se diz por aí, “a saúde não tem preço”. Mas na realidade tem e nunca foi tão elevado. O orçamento do ministério da saúde de 2016 a 2023 aumentou 4 mil milhões de euros (para mais de 13 mil milhões de euros) e nesse mesmo período o número de recursos humanos aumentou mais de 20000 profissionais. Logo, mais dinheiro e mais profissionais aplicados nos problemas do setor da saúde seriam a solução para os mesmos (certo Paulo e Mariana?). Errado.
Continuamos com serviços de urgência encerrados em períodos críticos e problemas de gestão e organização estrutural das unidades do setor: desde uma reorganização dos centros hospitalares em unidades locais de saúde que ainda está por se provar benéfica (relembro também a extinção SEF e criação da AIMA), extinção meramente ideológica das parcerias público-privadas na saúde (com os resultados à vista no funcionamento e parâmetros de qualidade no Hospital de Braga) e a criação de um Diretor-Executivo do SNS (um cargo supostamente não politico mas cujo primeiro diretor terminou o seu mandato por incompatibilidades…políticas). Não consigo deixar de olhar com espanto que direções de serviços de ginecologia e obstetrícia não consigam organizar escalas para cobrir períodos de férias: se todos querem férias em Agosto a solução é fechar a loja para férias (esperemos que a ideia não alastre a outros setores).
Uma solução possível seria a concentração de recursos em serviços de ginecologia em centros de referência com capacidade alargada de admissão e grávidas de doentes, mas ninguém gosta de ver um serviço de proximidade ser deslocado para mais longe (ainda que esse “longe” seja 50 a 80 quilómetros). Todos nos lembramos das correntes humanas e vigílias noturnas promovidas por organizações de utentes e patrocinadas pelos autarcas das localidades afetadas. Afinal, qual é o autarca que quer ver o seu nome associado ao encerramento de uma urgência?
Por fim, resta a política internacional (porque a melhor forma de desviar a atenção dos problemas internos é dramatizar os externos). Invasão de um país europeu soberano pela Rússia (ou operação especial para desnazificar o mundo subscrito pelo Comité Central do PCP), rapto, violação, tortura e morte de festivaleiros (ou resistência heroica da nação palestiniana segundo os habitantes do palacete da rua da Palma) e eleições na Venezuela tão gritantemente fraudulentas que nem Lula da Silva as conseguiu branquear (novamente, o Comité Central a tentar fazer o impossível). Resta-nos adivinhar se nos EUA Kamala Harris conseguirá ser mais do que a primeira mulher negra presidente ou uma verdadeira líder do mundo livre ou se teremos que assistir com escárnio e horror a mais uma temporada de 4 anos do The Apprentice na Casa Branca, isto é, será desta que Donald Trump irá limpar o pântano de Washington e fazer os EUA voltar àquele tempo em as coisas eram mesmo boas? (whenever that was…).
Platão tinha razão, todos nós nos julgamos conhecedores dos problemas e opinamos sobre as soluções para os mesmos, mas por vezes é mais cómodo não assumir as que irão contra os nossos desejos e interesses primários. Assim, a haver, que seja no quintal dos outros.