Dizia um treinador: “Quero que a nossa equipa jogue bem; se não conseguirmos jogar bem quero, que jogue melhor que o adversário; não conseguindo jogar melhor que o adversário, quero que ganhe”. Esta lógica decorre da gravitação entre a dimensão estratégica de construção da superioridade no jogo, a dimensão tática de criação de desequilíbrios, e a dimensão técnica da ação de finalização. Não entender que no futebol pode-se ganhar sem jogar-se bem ou ser-se melhor, é confundir a estética com a função, é confundir o processo com o produto e, em última instância, desconhecer a natureza interna do jogo.
Portugal foi estrategicamente mais competente do que a Bélgica. Nos primeiros 15 minutos de jogo, tivemos alguma dificuldade em perceber se era Bernardo Silva ou Joao Moutinho que devia pressionar Vertonghen, e do lado contrário se era Renato Sanches ou Diogo Jota que devia pressionar Alderweireld. Esta indecisão gerou alguma superioridade no meio-campo, com Tielemans e Witsel a terem mais posse de bola que os seus adversários diretos. Mas a partir dos 20 minutos, Portugal acertou os desdobramentos defensivos e equilibrou o jogo. E na 2ª parte, fase do jogo em que já estava em inferioridade no marcador, os timmings das pressões e as distâncias aos adversários encurtaram substancialmente, tendo Portugal controlado o ritmo de jogo até ao final. Este racional consubstancia-se estatisticamente na posse de bola repartida pelas equipas, tendo Portugal tido uma superioridade de 56% ao longo de todo o jogo.
Portugal foi taticamente mais competente do que a Bélgica. A equipa de Fernando Santos teve uma capacidade superior para criar desequilíbrios na estrutura defensiva adversária, quer tenha sido através (i) de contra-ataque, como foi aos 6 minutos com Diogo Jota a rematar ao lado, (ii) de bola parada, como foi aos 82 minutos com Ruben Dias a cabecear à figura após canto, (iii) de ataque posicional, como foi aos 83 minutos com Raphael Guerreiro a rematar ao poste, ou (iv) de jogo direto, como foi aos 88 minutos com André Silva a rematar ao poste. Este raciocínio consubstancia-se estatisticamente no número superior de ocasiões de golo que Portugal teve comparativamente à Bélgica (6 v 1).
Contudo, Portugal não foi tecnicamente mais competente do que a Bélgica. Este parâmetro mede-se pela eficácia, isto é, pela capacidade de transformar os remates à baliza adversária em golos. Ao longo de todo o jogo, Portugal fez 24 remates à baliza, dos quais apenas 5 foram enquadrados, não tendo culminado em nenhum golo. Ora porque Courtois defendeu, ora porque a bola embateu nos postes, Portugal não foi capaz de marcar golos. Ao invés, em 6 remates à baliza, a Bélgica conseguiu enquadrar um, tendo sido o suficiente para marcar um golo. E isto não é sorte nem azar, é competência. Pena que a dimensão técnica da eficácia seja aquela que mais se relaciona com o objetivo do jogo plasmado no regulamento do jogo de futebol.
Como portugueses que somos, precisamos muitas vezes de encontrar um responsável ou um culpado a quem atribuir a causa da eliminação do Euro-2020. Mas só quem está no desporto e vive verdadeiramente a sua essência é que percebe que, muitas vezes, não há culpados das derrotas, que é possível perder-se fazendo-se as coisas bem-feitas, e que os maus resultados podem surgir única e exclusivamente por mérito do adversário.
Parabéns à Bélgica!