Em 2001, Hermann Vaske, um realizador alemão de publicidade, publicou um livro chamado “Standing on the Shoulders of Giants”. Nele, entrevistava alguns dos melhores diretores criativos da profissão, alguns realizadores de cinema e alguns atores.
Não tenho o livro, mas tive a sorte de o ver entrevistar Dennis Hopper ao vivo, no Festival de Publicidade de Cannes. Lembro-me de estar na mesma sala que o Dennis e de pensar que ele não tinha mudado muito desde o Easy Rider. Mas fiquei sobretudo com o título do livro na memória. Achei uma imagem linda, alguém em pé nos ombros de um gigante, lugar desde onde conseguiria ver mais longe. Gostei ainda mais, quando descobri que a frase era do Isaac Newton, em homenagem a todos os cientistas que tinham existido antes. Graças a eles e às suas descobertas, Newton tinha sido capaz de chegar às suas próprias revoluções. Não foi Newton que inventou a metáfora, ela é atribuída a um filósofo do século XII, Bernardo de Chartres, mas foi Newton que a tornou popular, com a sua frase “se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes.”
O que tem Newton a ver com a publicidade? E o que têm os ombros dos gigantes em comum com um concurso como os Young Lions? Nada e tudo, atrevo-me a dizer. Trabalhar em publicidade é o contrário de ser cientista. Por muito rigor e medições que queiramos impor à profissão, nada substitui a intuição, o salto criativo, a surpresa, a coragem e o feeling que nos vem da barriga. Talvez por isso tenha gostado tanto daquele título num livro sobre criativos.
Da criatividade publicitária espera-se o novo e o original, o que nunca foi feito. Mas isso não deve ser confundido com ignorar o que os outros fizeram antes de nós, os tais gigantes da Lilliput publicitária. É verdade que todos os dias nos espera uma folha em branco, mas ela é feita do mesmo papel que viu nascer muitas ideias antes das nossas, vindas de mentes brilhantes que se sentaram nos mesmos lugares onde nós nos sentamos agora, e que viveram as mesmas ansiedades que hoje nos fazem roer a ponta da caneta. Nunca criamos nada do zero, somos sempre alguém que vem depois de alguém. Por isso, se pudermos fazer o nosso trabalho de pé, sobre os ombros de gigantes, seremos capazes de o fazer melhor.
Nós, publicitários, temos a sorte de trabalhar numa profissão onde todos os dias competimos com os melhores do mundo. Se o leitor ligar a televisão ou abrir o YouTube, vai ver, sem filtros de nacionalidade, anúncios feitos em Londres, Nova Iorque, Lisboa, Porto ou Pequim. E arrisco dizer que a sua desatenção, desdém, curiosidade ou entusiasmo não dependem da origem do anúncio que lhe passar pelos olhos.
Igualmente, os jovens criativos publicitários têm a sorte de trabalhar numa profissão onde todos os anos podem competir com os melhores do mundo e serem vistos, avaliados e reconhecidos por gigantes da profissão. Essa competição chama-se Young Lions e acontece todos os anos durante o Festival de Publicidade de Cannes.
Ali, os jovens portugueses recebem os mesmos briefings, o mesmo tempo e os mesmos meios de produção que os jovens norte-americanos, britânicos, brasileiros, alemães, suecos, indianos ou japoneses. São avaliados pelos mesmos gigantes que avaliam os trabalhos profissionais em competição no Festival. Passam pela mesma pressão e têm a mesma probabilidade de saírem vencedores. E muitas vezes têm trazido a vitória, ao longo da história dos Young Lions portugueses. Este ano, mais uma vez, vamos estar aqui a torcer por eles. É uma grande oportunidade que temos todos os anos de subir aos ombros de gigantes e ver mais longe.
Susana Albuquerque é presidente de júri nos Young Lions Portugal na categoria Digital. Este texto insere-se numa série de artigos de opinião publicados no âmbito das iniciativas organizadas pela MOP, representante oficial do Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions, um dos festivais mais prestigiados pela indústria criativa em comunicação. Cada texto apresenta a visão de vários profissionais do setor, de tendências e perspetivas de futuro.