Até aos dias de hoje, perto de 30% das sociedades anónimas desportivas (SAD) caíram em processos de insolvência, dissolução ou extinção. Um número impressionante e assustador. O sintoma de uma grave doença que vem afetando o desporto e que urge eliminar.
É longa a lista das SAD que tombaram às mãos de uma gestão ruinosa, protagonizada por investidores desqualificados ou pouco ou nada recomendáveis, arrastando os respetivos clubes fundadores para uma situação aflitiva.
Assistimos à queda de clubes históricos. Uns ressurgiram e tentam regressar à ribalta. Outros ainda lutam contra adversidades herdadas das SAD.
Aos dias de hoje contabilizam-se cerca de 120 sociedades desportivas (SD) em atividade, 94% no futebol e o remanescente no andebol, hóquei em patins e basquetebol. Neste universo, as SAD representam 87% das opções dos clubes e as sociedades unipessoais por quotas continuam a ser a escolha de 13%, algumas destas a disputar as ligas profissionais.
É por isso que o novo regime jurídico das SD – agora promulgado pelo Presidente da República e já publicado no Diário da República – traz uma reforma ao setor. Passa a ser admitida uma terceira forma societária, a sociedade por quotas, ao abrigo do código das sociedades comerciais. Uma alternativa para alguns clubes não terem de ceder à tentação da SAD sempre que optarem por uma parceria com privados.
Promove o equilíbrio entre o clube fundador e os investidores qualificados da SD, impõe requisitos de idoneidade no acesso a investidor qualificado, administrador e gerente, alarga o perímetro das incompatibilidades para o exercício destas funções e determina deveres de transparência e publicidade nos atos de gestão na comunicação com os associados e o público em geral.
É criado um regime contraordenacional, um canal de denúncias e instituída uma entidade fiscalizadora (IPDJ), a quem caberá a verificação da idoneidade e de eventuais conflitos de interesses dos investidores qualificados, administradores e gerentes.
Os candidatos a investidores qualificados ficam ainda obrigados, junto da entidade fiscalizadora, a demonstrar capacidade económica para o investimento e a procedência dos meios financeiros a utilizar.
Ficam agora impedidos de assumir posição de investidor qualificado, administrador e gerente aqueles que se dediquem à atividade de intermediação ou representação de jogadores e treinadores e/ou que possuam ligação a empresas relacionadas com apostas desportivas.
Um clube só pode dar origem ou ser titular de capital social de duas ou mais sociedades desportivas se cada uma delas tiver por objeto uma única modalidade desportiva ou, reportando-se à mesma modalidade, se se diferenciarem por sexo. Uma nova medida indutora de investimento em equipas femininas. É assegurada a representação mínima de género nos órgãos de administração e fiscalização.
A assembleia-geral do clube fundador pode eleger um associado para o órgão de administração da SD, com direito a participar em todas as reuniões, mas sem direito a voto.
As SD com diferentes clubes desportivos fundadores não podem fundir-se entre si, nem com um clube desportivo diverso, salvo se houver fusão entre os respetivos clubes desportivos.
Por razões de transparência, a SD tem de identificar e discriminar a participação no capital social e dos direitos de voto detidos por cada titular e comunicação desta informação às entidades fiscalizadoras e à federação da respetiva modalidade, bem como à liga profissional, no caso de participação em competições profissionais. Na mesma linha, a SD passa a identificar toda a cadeia de pessoas e entidades a quem a participação no capital social deva ser imputada, bem como a identificação do beneficiário efetivo dessa mesma sociedade e a indicação de eventuais participações, diretas ou indiretas, daqueles titulares noutras SD.
Passam a aplicar-se às SD as medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, previstas na lei 83/2017, de 18 de agosto.
Os clubes ou SD que sejam intervenientes em transferências de praticantes e treinadores profissionais estão obrigados a prestar um conjunto de informação relativa às mesmas junto da federação desportiva que tutela a modalidade em causa e à entidade fiscalizadora.
A SD passa a estar obrigada a publicar na respetiva página de internet o contrato de sociedade e as contas dos últimos três anos, como também a publicar a composição dos seus corpos gerentes.
A elaboração da proposta de lei obedeceu a uma ampla e intensa auscultação, reforçada pela especialidade parlamentar. Um diploma aprovado sem votos contra. Um apoio que reforçou uma reforma há muito desejada e essencial à credibilidade das SD.