Vivemos em contradição. Numa sexta-feira de novembro, as ruas enchem-se de consumidores à procura do melhor desconto, enquanto, na esquina da nossa sociedade, milhões permanecem à margem, sem acesso ao mínimo essencial. Este “Black Friday humanitário” não acontece num só dia – é um evento diário, silencioso, onde vidas humanas são negociadas ao preço mais baixo possível: o da indiferença e da inação.

Os números são alarmantes. Em Portugal, cerca de 24% da população em zonas urbanas sensíveis vive abaixo do limiar da pobreza, enquanto a média nacional é de 16,4%, segundo dados do INE. Estas áreas são marcadas por condições de vida precárias, falta de acesso a serviços essenciais como saúde e educação e uma exclusão social que parece impossível de quebrar. Mais preocupante ainda é a taxa de abandono escolar nestas zonas, que atinge uns impressionantes 43%, em contraste com a média nacional de 8,9%. Este ciclo perpetua-se no mercado de trabalho, onde mais de 30% dos contratos assinados por jovens em zonas sensíveis urbanas são precários e de curta duração.

A desigualdade de investimento público agrava ainda mais estas disparidades. Segundo a OCDE e o SDG Watch Europe, 83% do Produto Interno Bruto (PIB) de Portugal é gerado nas zonas costeiras, onde se concentra também a maioria dos jovens e estudantes universitários. Nas zonas menos favorecidas, o investimento público per capita é significativamente inferior, reforçando o abandono e perpetuando as desigualdades regionais.

A Inovação Social como alternativa

A inovação social tem o potencial de transformar comunidades em espaços de desenvolvimento e coesão. Mais do que atacar os sintomas da exclusão social, esta abordagem previne a perpetuação de ciclos de pobreza, ao promover educação, capacitação e autonomia económica. O impacto vai além de respostas temporárias, oferecendo soluções sustentáveis que fomentam resiliência e inclusão, enquanto criam oportunidades de emprego digno e fortalecem redes de solidariedade.

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Portugal, com o seu compromisso crescente com a inovação social, prova que é possível mudar realidades e inspirar o mundo, demonstrando que o verdadeiro progresso começa nas comunidades e cresce com coragem e visão.

Investir no que importa: pragmatismo e justiça social

Estudos mostram que cada euro investido em inovação social pode gerar poupanças de até 2,5 euros em custos associados à saúde, policiamento e serviços sociais (OECD, Social Impact Investment: Building the Evidence Base, 2015). Mais recentemente, outros relatórios reforçam esta tendência, apontando para o impacto positivo de modelos de investimento social inclusivo no longo prazo (Fundação Gulbenkian, Quanto Vale a Inovação Social?, 2022).

Este impacto positivo demonstra que a inclusão não é apenas uma questão de justiça social, mas também de pragmatismo económico. Rejeitar o “Black Friday humanitário” significa exigir mais do que soluções de curto prazo e investir em caminhos concretos para a construção de uma sociedade mais justa e resiliente.

Enquanto aceitarmos esta lógica de cortes e remendos, o preço que pagaremos como sociedade será demasiado alto. É tempo de inverter o rumo, de rejeitar a normalização da exclusão, e de garantir que todos têm a oportunidade de viver com dignidade. Afinal, investir no que importa não é apenas um ato de humanidade – é o único caminho sensato para o futuro.