Houve um tempo em que o verbo densificar não era repelente nem morava no pobre vocabulário dos pomposos. Nesse tempo tinha um sentido sobretudo técnico e significava aumentar a concentração. É nesse sentido que ele aqui está – não lhe reconheço outro. Quando se assiste a uma conversa sobre o problema da habitação em Lisboa é raro não haver quem proponha “densificar a cidade”, querendo com isso dizer que se deve aumentar a área de construção permitida para cada lote. Como em Lisboa já não há praticamente terrenos desocupados, este aumento de área teria de ser construído em altura. Daí as propostas de “torres” e pequenos “arranha-céus” que ocasionalmente arrebatam os amantes do “progresso”, e enfurecem as consciências puristas do “traçado”. Uma discussão formulada em termos estéreis. A construção em altura tem méritos, impõe condições, mas não é solução nem obstáculo. Vamos examinar a própria ideia de densificar a cidade e perceber que essa ideia é um erro.
Lisboa tem vindo, de ano para ano, a perder população. Em 1960 tinha perto de 800 mil habitantes, com modos de vida muito diferentes: menos escolaridade, menos poder de compra, menos automóveis, menos centralidade; extensos bairros de barracas alojavam pessoas em condições que hoje não se imaginam; e a cidade não era, acima de tudo, rodeada de uma Área Metropolitana com quase três milhões de habitantes. Em Lisboa vivem agora perto de 550 mil habitantes; e as ruas já não têm largura para tudo o que precisamos de lá pôr: passeios, alcatrão para carros particulares e transportes públicos, muitas vezes separados em faixas “bus”, mais ciclovias, estacionamento, bocas de Metro, paragens de autocarro, e algum verde em árvores de alinhamento.
Vale a pena olharmos para os números de outras cidades com as quais gostamos de nos comparar. Lisboa, com um território de cerca de 100 quilómetros quadrados, tem uma densidade populacional de 5.500 habitantes por quilómetro quadrado. Nova York, por muito que nos custe acreditar, tem 7.200 – mesmo que o número suba para 19.000 se considerarmos apenas a ilha de Manhattan. Londres tem 5.200, estruturada a partir de um centro com altíssima densidade e o resto do território, que é vastíssimo – 1.738 quilómetro quadrados – organizado em bairros quase auto-suficientes, pouco densos, muito verdes, e muitíssimo bem servidos com uma fina rede de metropolitano. Madrid tem, como Lisboa, uma densidade de 5.500 habitantes; em 604 quilómetros quadrados, seis vezes a área de Lisboa, soma três milhões de habitantes – os mesmos que a nossa área Metropolitana. Paris destaca-se com uma densidade de 21.500 habitantes; quatro vezes a população de Lisboa para a mesma área de território. Agora, com estes dados, e em cada uma destas cidades, reparemos na largura das avenidas. Todas elas, sem excepção, têm avenidas mais largas que as de Lisboa. Mesmo aquelas cuja densidade populacional se aproxima dos números de Lisboa.
O sistema viário de uma cidade é comparável ao sistema vascular de um corpo: as artérias e veias levam nutrientes às células dos órgãos e trazem de volta o produto do metabolismo. É um sistema hierarquizado: tem artérias principais, de secção maior e caudal maior, que distribuem para artérias mais estreitas, e por fim redes locais de capilares. O sistema viário de uma cidade também funciona assim: avenidas mais largas definem os percursos estruturantes principais, como em Lisboa acontece, por exemplo, no eixo da Av. da Liberdade, Fontes Pereira de Melo, Av. da República, Campo Grande; praças e rotundas articulam esses percursos, como vemos no Saldanha, no Marquês de Pombal, ou na rotunda de Entrecampos; avenidas secundárias distribuem esses fluxos; e desaguam nas ruas e becos de trânsito local dentro dos bairros.
O sistema arterial está dimensionado para um corpo, e assim funciona bem. Se duplicarmos o corpo, teremos o mesmo sistema para quatro rins, dois fígados, dois cérebros, o dobro dos órgãos. Torna-se insuficiente e colapsa. O sistema viário de Lisboa está sobrecarregado para a densidade que já existe. As “artérias”, como vimos no princípio, não têm largura para tudo o que lá queremos meter: passeios, transportes, árvores, ciclovias, etc. A área de construção é elástica, mas a largura das avenidas não é. Temos esse limite.