A Assembleia Municipal de Lisboa aprovou a versão final da Operação de Reabilitação Urbana da Quinta do Ferro, no dia 30 de Abril. A Quinta do Ferro é um bairro isolado, entre a Graça e a estação de Santa Apolónia, mesmo atrás do Panteão. Pela nitidez dos limites, e pelo contraste do rendimento aparente, as pessoas referem-se a ela como “ilha”, mas não no mesmo sentido das “ilhas” do Porto. É uma “ilha” de grande pobreza no centro histórico de Lisboa. Houve quem louvasse o “consenso”, elaborando que em havendo boa-vontade é mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa. Como se, para resolver problemas graves, fosse possível abdicar da política, ou da tão maltratada “ideologia”, que para efeitos práticos é um ponto de vista.

Há boas razões para desconfiar das “unanimidades”, dos “grandes entendimentos”, dos “consensos nacionais” e dos horríveis “pactos de regime”. Eles puxam-nos para a esquerda. São invariavelmente concebidos nos termos da esquerda, executados nos termos da esquerda e segundo os interesses da esquerda. A esquerda não dá um passo para vir ao encontro da direita, mesmo quando a direita tem razão. Somos nós, sempre nós ou os nossos digníssimos representantes, que vamos ao encontro da esquerda. E no entanto quase tudo o que de bom se fez em Portugal desde o 25 de Abril foi contra a vontade da esquerda, se classificarmos como “bom” a desmilitarização do regime; a reversão das nacionalizações; a liberdade de imprensa, com a possibilidade dos jornais e rádios regressarem à propriedade privada; ou a abertura dos canais de televisão a grupos privados (pelo menos, teoricamente). Certas liberdades estão na base das outras, e não há liberdades individuais se não houver liberdade de expressão e liberdade económica, com um grau previsível de respeito pela propriedade.

Também esta reabilitação da Quinta do Ferro serve para mostrar a diferença entre o que faz o governo da cidade de Lisboa e o que defendia a ministra da Habitação do PS, quando declarou que “toda a gente tem direito a viver nas zonas mais caras de Lisboa” e, para não deixar ninguém com dúvidas, explicou em língua de pau que “cabe ao Estado dar essa resposta”. Marina Gonçalves, assim se chamava a ministra do PS, preparava-se para instalar a cidade inteira no Chiado, ou na zona das embaixadas da Lapa ou do Restelo. O executivo “Novos Tempos”, presidido por Carlos Moedas, em vez desta falta de juízo tem governantes que olham para a cidade como ela deve ser olhada: certas zonas estão bem, precisam de menos intervenção; outras estão assim-assim; outras estão muito mal, como a Quinta do Ferro, uma ferida aberta a supurar, com muito tempo, com mais de 200 edifícios, e com 60 mil metros quadrados.

Fazia dó. À volta da miséria da Quinta do Ferro as pessoas vivem bem, em casas caras. É, hoje em dia, uma das zonas mais valorizadas de Lisboa. Entrava-se naquela borbulha e sentia-se um desconsolo. Bendita a hora em que esta Câmara de Lisboa tratou de identificar as zonas da cidade que precisavam de mais cuidado, de mais atenção, de políticas específicas com mais recursos e mais verbas. O processo da Quinta do Ferro é só mais um bom exemplo deste princípio, que já antes tinha desentupido de vez a legalização do Bairro São João de Brito. Outra perplexidade com quase 50 anos, assente numa trapalhada burocrática que nunca ninguém antes se empenhou a resolver. E também aqui, convém distinguir, não foi a esquerda. Foi o governo de eng. Moedas, com as vereadoras Filipa Roseta e Joana Castro e Almeida, da Habitação e do Urbanismo, quem executou esta política de aplicar os recursos do município onde eles são mais necessários.

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