O orçamento anual que Portugal dedica ao combate a incêndios tem quase sempre aumentado de ano para ano. Dos meios listados na Diretiva Operacional Nacional n.º 2, que a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil produz anualmente no âmbito do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais, infere-se que a capacidade de suprimir as ocorrências de fogo rural, por controlo da sua expansão e subsequente extinção, mais do que duplicou entre 2000 e 2023. Tem sido esta a aposta generalizada das políticas públicas de gestão do fogo nos países do sul da Europa desde os anos 70 do século passado, em combinação com a diminuição do número de fogos. Os resultados foram visíveis logo nos anos 90, nomeadamente em Espanha e França, com redução notória da área ardida, mas não em Portugal, que exibe uma média de longo prazo (1980-2022) de 110 mil hectares ardidos anualmente, sem qualquer tendência temporal de diminuição ou aumento da superfície queimada ao longo do tempo.
Qual tem sido então o impacto do investimento na supressão do fogo? Funcionalmente, o esforço de combate em Portugal e na Europa (nem sempre é assim em outros países) visa minimizar a área ardida por cada ocorrência de fogo. A probabilidade de os fogos excederem determinadas dimensões é assim um bom indicador do desempenho das operações de combate a incêndios.
A análise estatística do período de 2001 a 2022 permite apreciar a evolução dos resultados funcionais do combate a incêndios em Portugal. Aquele período de tempo foi subdivido, considerando os anos (2001-2006) que antecederam o Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PNDFCI), o qual surgiu em resposta aos incêndios catastróficos de 2003 e 2005; os anos de vigência do PNDFCI até ao ano fatídico de 2017 (2006-2017); e os anos mais recentes (2018-2022) que incluem o início da implementação do Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais. Face ao aumento progressivo do esforço de financiamento, principalmente no combate, mas também na prevenção (potenciadora de um combate mais eficaz), são de esperar melhorias de cada subperíodo para o seguinte.
Consideraram-se quatro limiares de dimensão de fogos, respetivamente 1, 10, 100 e 500 hectares; excluíram-se da análise limiares mais elevados porque é reduzida a influência que o esforço de combate tem na dimensão final dos grandes incêndios. À escala diária e distrital calcularam-se as proporções de fogos que, tendo superado um determinado tamanho, excederam o limiar de área seguinte; por exemplo, P≥100 ha é a proporção dos fogos com mais de 10 ha que atingiram ou superaram 100 ha de tamanho. É fundamental considerar também o efeito de outras influências que não a fase temporal, caso contrário o efeito da última estará “contaminado” e não será adequadamente quantificado. Assim, o modelo estatístico aplicado inclui também o importante efeito da meteorologia, através do índice de perigo FWI; o mês do ano, indicador da variação na disponibilidade de recursos de combate e, eventualmente, de efeitos meteorológicos não representados pelo FWI; o distrito, relacionado com a variação na vegetação, topografia e resposta ao fogo (incluindo os recursos de combate disponíveis); e o número diário de ocorrências de fogo rural, que pode condicionar a rapidez e a força da resposta a uma determinada ocorrência.
A tabela abaixo mostra os resultados obtidos. Os valores na tabela são as proporções médias de ocorrências de fogo rural em cada um dos períodos de tempo, expressas em percentagem dos valores registados no período inicial e livres da influência das variáveis atrás mencionadas. Para referência, apresentam-se também os números relativos de ocorrências de fogo rural em cada período.
Decorrentes da diminuição do número de ocorrências e, presumivelmente, das melhorias introduzidas no ataque inicial, os resultados mostram que a proporção de ocorrências com pelo menos 1 ha de tamanho tem vindo a diminuir, sendo o decréscimo mais notório durante 2007-2017. Pelo contrário há uma tendência de aumento na proporção dos fogos que superam 10 ha, especialmente desde 2018; é provável que este acréscimo se deva à diminuição de ocorrências em territórios onde o tamanho do fogo é limitado pela fragmentação e escassez do espaço florestal, o que faz com que estejam agora mais representados os territórios onde o crescimento do tamanho dos incêndios é naturalmente mais favorecido.
Os resultados mais relevantes, por razões óbvias de impactos socioeconómicos e ambientais, respeitam aos grandes incêndios, limiares de 100 e 500 ha. A proporção dos primeiros diminuiu em 2007-2017 quase na mesma medida em que se reduziu a proporção de fogos acima do limiar de 1 ha, mas em 2018-2022 essa proporção subiu ligeiramente. Mais preocupante é constatar que a proporção dos grandes incêndios que cresce para lá dos 500 ha – que nos anos críticos de 2003 e 2017 quase representaram 90% da área ardida total – excedeu em 2018-2022 os valores dos períodos anteriores, e principalmente de 2007-2017. Este resultado é particularmente significativo quando sabemos que praticamente não voltaram a arder (e nem se esperaria que tal sucedesse, tal como ditado pelo ciclo de acumulação da vegetação) as extensas manchas queimadas em 2016 e em 2017, que abarcam uma parte substancial dos territórios mais propensos a grandes incêndios.
Apesar do reforço nos meios de combate, a análise não mostra melhorias no desempenho do combate a grandes incêndios após 2017, antes pelo contrário. Um aspecto importante é o facto da presença de mais meios humanos e materiais num determinado incêndio não equivaler automaticamente a um aumento da probabilidade de o controlar e extinguir rapidamente. A capacidade tecnológica de dominar o fogo não está à altura, nem nunca estará, da quantidade e velocidade de libertação de energia que ocorre numa frente de chamas intensa. Tal faz com que uma política de gestão do fogo centrada na sua eliminação vá selecionando incêndios progressivamente maiores e mais severos, ou seja, aqueles que não são combatíveis (ver artigo “O financiamento dos bombeiros e a área queimada: incentivos perversos, mal-entendidos e paradoxos“, publicado no Observador). Mas há mais motivos para que o despacho massivo de meios de combate para um incêndio não aumente a capacidade de o suprimir na mesma proporção, nomeadamente por serem empenhados em tarefas exclusivamente defensivas, isto é, de proteção civil, como ficou evidente no Relatório do Grupo de Peritos dos Incêndios Rurais relativo aos incêndios de 2022.
Uma combinação particular de produtividade vegetal elevada, continuidade do espaço florestal e secura estival faz de Portugal o país europeu mais suscetível ao fogo, e isso está subjacente às dificuldades enfrentadas pelas operações de combate. Independentemente deste contexto ambiental e da necessidade premente de aumentar a escala das intervenções de redução do risco de incêndio no território, a aposta no domínio do combate a incêndios terá que ser outra que não o acréscimo de recursos de ano para ano. Urge instaurar um modelo que trate adequadamente tanto as necessidades da proteção civil como as da proteção florestal, ainda para mais sabendo que descurar a segunda tende a comprometer a primeira. Para tal são necessárias maior capacitação e especialização para enfrentar o fogo no espaço florestal, ou, dito de outra forma, um modelo de combate assente no conhecimento do comportamento do fogo e das respectivas implicações, da prontidão da resposta ao rescaldo.