Nos últimos 6 anos tive dois filhos e mudei de trabalho 2 vezes. Um pouco intenso, talvez demais, mas este é o meu percurso, tão forte em emoções e decisões, com em aprendizagem e crescimento.
Muito se escreve sobre como se transforma a vida de uma pessoa quando tem filhos. Muito se escreve também sobre como conciliar a vida profissional e pessoal. E depois o que se vive é tão único e intenso que sentimos que, por mais que tivéssemos lido tudo o que está escrito, nunca iríamos compreender sem o viver. E ainda bem que assim é, eu pessoalmente gosto muito desta descoberta.
Acredito que qualquer que seja o trabalho, esta conciliação é um grande desafio. No meu caso, o facto de trabalhar na área da Engenharia e Desenvolvimento Tecnológico acrescenta exigência. Exigência no contexto profissional ou, talvez, também uma exigência implícita que eu coloco a mim própria pela forma inteiramente dedicada como eu gosto de estar nos dois contextos.
Talvez o mais complexo para mim seja a forma rápida com que tenho que mudar do registo de mãe, presente e que chega a todo o lado, para o registo profissional, em que se exige foco e persistência. Estas mudanças de contexto acontecem várias vezes ao longo do dia e durante a generalidade dos dias, sem que muitas vezes haja um momento de transição, de reajuste (a não ser um café rápido ou uma boa música no carro). Em ambos tento que a minha entrega seja plena, mas fui com o tempo aceitando imperfeições e dias menos bons em ambos. Em geral, acredito que estas mudanças sejam mais fáceis se transitarmos de contexto mantendo como base aquilo que nos define, sem criarmos personas distintas, que vestem papéis distintos.
Foi na análise destas transições que muita vezes dei por mim a pensar nos imensos paralelismos que encontro entre as duas realidades, e quão bom é quando sentimentos que aquilo que fazemos em casa nos torna melhor fora dela e vice-versa. É muito interessante ver que conseguimos explicar ao miúdo que o facto de se sentir zangado com alguém não quer dizer que se vá odiar a pessoa para sempre (Problem Decomposition) e, que não deve desistir de andar de bicicleta porque, apesar de ter caído hoje, isso aconteceu porque se sentia mais preparado para acelerar por causa do bom treino de ontem (Continuous Improvement).
Há umas semanas pensava nestes exemplos, e se também haveria casos em que conceitos de parentalidade pudessem ser transpostos para a realidade profissional. Lembrei-me de um método que se usa muitas vezes para avaliar os sinais de alarme quando temos um filho doente. Felizmente tenho filhos saudáveis, mas que passaram por muitas infecções até hoje. Em conversa com a pediatra surge muitas vezes a pergunta de qual é o estado geral da criança. Avaliar o estado geral não é mais do que ser capaz de olhar para o todo, sem menosprezar a individualidade de cada sinal de alarme. Ter a capacidade de ver que, apesar da febre persistente, ele fica bem quando esta baixa. Ora isto consegue ser um mecanismo de análise muito válido em situações profissionais críticas ou na liderança de processos. Conseguir comunicar objetivamente impedimentos (red flags) no trabalho em curso, mantendo igualmente o foco no progresso global e, transitar entre estas duas escalas, tem-me permitido garantir avanços e equipas mais envolvidas.
Esta articulação entre a observação da parte e do todo, leva-me a refletir que o impacto da parentalidade no percurso profissional podia ser minimizado se fossem adotadas medidas mais holistas nas ferramentas de apoio às famílias. Olhar-se para as famílias como redes de suporte (incluindo até os avós, familiares próximos, ou outros que façam sentido) como forma de criar mecanismos de flexibilidade que permitam dar resposta às componentes da vida de cada um. As crianças precisam de ter os pais por perto, sem dúvida, mas também precisam de ter os pais felizes. Se isso puder incluir estarem felizes profissionalmente, nos seus hobbies, na sua individualidade, tanto melhor.
O Observador associa-se à comunidade PortugueseWomeninTech para dar voz às mulheres que compõem o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.