O Partido Socialista deixou escorregar em mãos de manteiga a oportunidade de ouro que lhe bateu à porta no dia 24 de Janeiro. Na altura, a recém eleição de Paulo Cafôfo dentro do PS-M cumpria um plano há muito desenhado pelos socialistas que olhavam para a experiência governativa, em Lisboa, de Cafôfo como um ás de copas para derrotar a hegemonia laranja que se vive há 48 anos na Madeira.

Falharam redondamente. Verdade seja dita, o Partido Socialista desempenha uma tarefa hercúlea de oposição desde que se conheceu a Democracia, e parece que a cepa continua torta, apesar de todos os métodos terem já sido testados, todos os recursos já gastos, todos os meios já explorados, todos os esquemas já arquitetados, todas as vias já consideradas, e todos os artifícios já engenhados.

Recordo-me das reflexões mais veementes, das críticas mais acérrimas, das opiniões mais violentas, que visaram a Procuradoria-Geral da República, desde o dia 7 de Novembro de 2023. Associo-me a grande parte delas, por todos os motivos e mais alguns. Parece é que, para o Partido Socialista na Madeira, elas só são válidas quando tocam a camaradas e companheiros de partido, caso contrário é tudo carne para canhão.

O PS, ao longo dos últimos 8 anos de governação, adotou a expressão “à política o que é da política, e à justiça o que é da justiça” como uma prática blindada aos assuntos mais incómodos que remontam a um passado sombrio da história política protagonizado por José Sócrates. Os anos iam passando e as situações judiciais em que os socialistas eram visados cresciam, mas a estratégia permanecia: “à política o que é da política, e à justiça o que é da justiça”. Até que chegou o infortunado dia 7 de Novembro do ano passado, em que a justiça esbarrou com o poder nuclear do Governo – fazendo cair António Costa.

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Foi este o ponto. Foi aqui que o PS acordou para o que Rui Rio passara anos a fio a dizer. Ridicularizaram-no, ironizaram-no, desprezaram-no, e, até, satirizaram-no. O tempo deu-lhe razão. A proposta reformista de Rui Rio para a justiça tinha, seguramente, as imperfeições mais perfeitas, mas o espírito de ação numa área central para o regular funcionamento da Democracia não podia, nem devia, ter sido descurado como se viu durante a última década.

Mas, aqui chegados, estamos com um PS – agora sim – preocupado com o funcionamento da justiça, nos moldes em que ela deve ocorrer e não da forma popular como tem agido. Acontece que os desencontros entre o PS no Continente e o PS na Madeira nunca foram tão evidentes, tanto na forma como no conteúdo, e Pedro Nuno Santos tem, literalmente, vagueado numa nau sem rumo, por mares frenéticos e exóticos sem conhecer o destino, nem tão pouco as companhias que o idolatram.

Há quem tenha encontrado no PS-M um refúgio para exercer sobre os outros as suas próprias frustrações, pendurado numa imagem de aparente – porque não passa disso – moralidade, tendo com isso margem para destilar o ódio à maneira socialista sobre os adversários que são encarados como inimigos, procurando incitar à criação de um ambiente cada vez mais tóxico e animalesco, encerrando em si uma insuportável arrogância moral que mais não passa de uma pura camuflagem das verdadeiras intenções políticas.

Demissão de Albuquerque aceite, choveram intenções de mudança por essas levadas fora. “Estamos perante a iminente mudança política na Madeira. (…) Não haja medo nem vergonha de dar a voz aos madeirenses e porto-santenses” – escrevia um alto dirigente (continental) socialista na Madeira – aliás o mesmo que, na sua incapacidade de distinguir a condição de “preso” da de “detido”, mostrou o gozo que proliferou pelo Partido Socialista na Madeira, ao verem tamanha operação judicial que, ironia das ironias, viria a ser condenada pelos camaradas de partido no Continente.

O PS-M, que tem cavado a sua própria sepultura, regozijando-se com a denúncia por si feita ao Ministério Público dos eventuais crimes cometidos por aqueles que hoje são investigados pela PGR, deixa a nu a falta de pudor em fazer política, usando todos os meios para atingir um único fim. Não importa sequer a preservação da integridade do Partido que representa, nem tão pouco interessa a cultura cívica e democrática que preserva as instituições.

A ilha de pseudo-dignidade na qual os dirigentes do Partido Socialista se autocolocam, na Madeira, representa o obscurantismo de uma ação política sem brio que resvala na mísera confiança que o povo lhes confere. Encantados com a ideia de eleições regionais, encontraram ao virar da esquina uma ocasião de mudança que durou apenas e só até ao passado dia 26 de Maio.

Ainda assim, a pesadíssima herança com que fica o PS, depois de mais uma derrota eleitoral, restou simplesmente para mendigar uma “declaração de princípios” frágil, débil, e matematicamente insuficiente. O desespero invadiu as mentes socialistas e a simbiose, apresentada como perfeita, durou uns escassos quatro dias. O PS e Cafôfo, incapazes de soletrarem a palavra “derrota”, tentaram sentar-se na mesa dos adultos, mas continuaram com atitudes de criança.

Se havia momento em que o PS aproveitaria para fazer valer as suas bandeiras – se é que elas existem –, ou até mesmo estipular regras básicas de estabilidade governativa – já que até agora nunca existiram dado o predomínio laranja absoluto –, era este, garantindo que mais tarde essas convenções seriam em benefício próprio, mas que assegurariam a fidelidade das instituições ao povo.

Mas não. O PS demitiu-se, unilateralmente, do seu papel de principal partido de oposição que transporta em si a responsabilidade democrática e institucional que as mais simples, mas sábias, convenções políticas aplicam a todos, quer na derrota como na vitória. O que se tentou fazer, com uma “declaração de princípios” entre PS e JPP, não passou de uma instrumentalização das instituições para servir propósitos puramente partidários – condenados, desde logo, à nascença – impedindo a governação da maioria relativa que venceu as eleições, para forçar um governo da minoria relativa que perdeu as eleições.

Tudo isto, baseado no filme “Costa – 2015”, seria menos mau se não tivesse sido feito com o aval do idolatrado Pedro Nuno Santos que, depois da sua terceira derrota consecutiva enquanto líder do PS, validou a estratégia seguida pelo grupo de vencidos da noite de 26 de Maio.

Só o desespero e a ânsia poderão explicar tamanho erro político.

04.06.2024