Há 42 anos que se assinala o Dia Mundial da Alimentação. A data escolhida, 16 de outubro, evoca a fundação, em 1945, da FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, que desde então tem trabalhado para minimizar a pobreza e a fome junto das populações mais vulneráveis. Este ano, o tema escolhido não podia ser mais atual: “Água é vida, água é alimento. Não ​deixar ninguém para trás “

Simbolicamente, foi este o dia escolhido pelos deputados do Partido Socialista na Comissão Parlamentar da Agricultura e Pescas, para entregar para discussão e votação na Assembleia da República, um Projeto de Lei contra o desperdício alimentar, que pretende alertar consciências para esta gravíssima questão global.

Sabia que cada cidadão português desperdiça, em média, mais de 183 quilos de alimentos por ano? Este dado, só por si, devia fazer-nos parar e pensar, até porque são as famílias quem mais desperdiça, numa altura em que tantas passam dificuldades para acorrer a todas as despesas.

A atual iniciativa não contraria a legislação já existente sobre esta questão, nomeadamente no que concerne a regulamentar e agilizar da doação de bens alimentares excendentários, referidamente nos restaurantes e nas grandes superfícies. Antes pretende complementar essa postura e ir mais além.

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A lei que agora se propõe difere da linha de boa parte da produção legislativa europeia sobre o tema e tenta abrir novos caminhos. Entendemos que o escoamento de alimentos excendentários para colmatar lacunas em famílias carenciadas é um trabalho de extrema importância, que deve ser incentivado, facilitado e acarinhado, mas entendemos também que o enfoque deve ser na redução do desperdício, transversalmente em todos os elos da cadeia.

O nosso objetivo é, também, criar condições para que, cada pessoa, cada instituição, cada empresa, tenha um pequeno, mas relevante papel na diminuição da quantidade de alimentos que, todos os dias, vão para o lixo sem servirem a quem quer que seja.

As famílias devem ser sensibilizadas – e, aí, o protagonismo dos jovens pode ser fundamental – para comprar em consciência apenas o que, racionalmente, vão consumir. As cadeias de distribuição podem – e devem – contribuir para que seja entendido como um ato de inteligência e modernidade adquirir produtos que possuem todas as suas características de sabor, segurança e qualidade, embora possam estar próximos do fim dos seus prazos de validade ou possam não ter um calibre apropriado, como é o caso das frutas e legumes.

Os restaurantes devem estimular os seus clientes a levar para casa eventuais restos das suas refeições, o mesmo para os refeitórios. E, nos refeitórios escolares, por exemplo, o papel das autarquias, que recentemente assumiram novas competências nesta área, pode ser fundamental, na adequação da alimentação em si e das quantidades ao público-alvo, consciencializando os cidadãos, desde tenra idade, para as consequências do desperdício alimentar. Podem, igualmente, fazer a diferença na aquisição de produtos da época e localmente, assim como na recolha diferenciada dos resíduos orgânicos a encaminhar para valorização enquanto composto para a agricultura, fechando um círculo que se quer virtuoso.

É que, se já é grave pensarmos que um terço de todos os alimentos produzidos no Mundo são deitados para o lixo, mais dramático se torna se tomarmos conhecimento do investimento necessário para tal: solos (por vezes desflorestados para a agricultura); mão-de-obra; energia (maioritariamente proveniente de combustíveis fósseis); fertilizantes e pesticidas; infraestruturas e, sobretudo, água – muita água – cuja importância, nem de propósito, paz parte do mote das comemorações deste ano do Dia Mundial da Alimentação.

Todos estes recursos foram desbaratados para gerar e distribuir géneros que não serviram a ninguém e que ainda constituem um resíduo que urge encaminhar.

Se pensarmos bem, é até imoral que, enquanto uma parte do chamado mundo desenvolvido desperdiça alimentos desta forma totalmente inútil e inconsciente, outra parte da mesma humanidade não tem o suficiente para sobreviver ou água potável para beber. Não há lógica nesta equação.

O desperdício alimentar é insustentável e a sua redução deve ser uma prioridade, por questões sociais, económicas e ambientais.

O Projeto de Lei agora entregue pelos deputados socialistas, do qual sou signatária, é um pequeno contributo para esse que deve ser um desígnio global, uma responsabilidade e uma obrigação de todos e de cada um de nós.