Quem diria? No meio de tanta trapalhada e da mais elevada incompetência na governação nacional, venho fazer um elogio ao Governo. E não é por coisa pouca, embora seja natural que os comentadores percam mais tempo com as inutilidades das zangas entre PR e PM e na menção a atletas de pugilato que são contratados para assessores ministeriais para depois se demonstrarem sonegadores de portáteis com secretíssimos segredos de Estado.
Afinal onde almoçará a trupe dos transportes? Quando andei pela saúde era habitual a minha equipa juntar-se num restaurante, o típico de bairro, cujo nome não revelo por ter receio de afrontar a Mossad ao mencionar o nome de um herói de Israel que se tornou célebre por apartar as águas do Mar Vermelho. Acho mesmo que esta seria a mais sigilosa informação que tínhamos nos computadores que, diga-se, religiosamente deixámos na João Crisóstomo. E tenho de vos confessar um enorme escândalo. Uma afronta de dimensões galáxicas e capaz de derrubar executivos. Às vezes reuníamos com deputados para…nem sei como dizer isto…preparar intervenções na Assembleia da República. Até me doeu a garganta. Eu sei, estavam todos convencidos de que os membros do Governo nunca falavam com a maioria que suporta o Governo. Mas, isso posso afiançar, não estávamos para perder tempo a “preparar” as respostas dos dirigentes que estavam sob a nossa tutela. Acreditávamos que deveriam ser suficientemente competentes e confiáveis, enorme ingenuidade, para os deixar ir lá dizer tudo o que achassem pertinente, desde que verdadeiro. Enfim, os tempos mudaram.
Voltemos ao principal. O Governo anunciou uma medida que, a concretizar-se, merece já um aplauso promotor e preventivo (não vá a coisa ficar-se pelo anúncio distrativo, como é habitual acontecer na saúde pública). Um momento…deixem-me afastar a cadeira da secretária. Já está. Bati umas palmas, ainda tímidas, mas palmas autênticas e de pé. Agora já posso sentar-me e voltar a escrever.
Acreditando nas notícias deste e de outros jornais, o Governo prepara-se para propor mais umas alterações à legislação que pretende restringir o acesso ao fumo de tabaco em Portugal. Boa notícia, ainda melhor quando o ministério da saúde não tem sido capaz de propor uma ideia motriz e diferenciadora para a gestão do serviço nacional de saúde (SNS), deixa que a Direção Geral da Saúde definhe, não resolve os problemas de recursos humanos, está empatado e empata negociações para a revisão salarial dos profissionais de saúde, não avança com um modelo consequente e facilitador de avaliação de tecnologias de saúde, nada muda na política de acesso a medicamentos, assiste ao crescimento das listas de espera, aguarda eternamente pela informatização total e interoperável do sistema de saúde nacional e promete uma reforma, criando unidades locais de saúde (ULS) e apostando nas muito hipotéticas virtudes dos centros de responsabilidade integrada (CRI), sem estudos que a sustentem (por acaso há estudos que nos levariam a olhar para a ideia com suspeição). No meio de tanta inépcia, lá terão convencido os restantes ministros, os vivos e os cadavéricos (de acordo com a oportuna opinião do Dr. Marques Mendes), a avançar com medidas verdadeiramente importantes.
Terá sido, digo eu, um bom reflexo da balbúrdia que abriu espaço para que alguma coisa boa tivesse de vir a lume. Parabéns ao meu Colega Pizarro e à Senhora Secretária de Estado para a Promoção da Saúde – bem tirada esta designação – Dra. Margarida Tavares que não andará a dormir.
O que se anuncia são medidas no sentido certo. A sustentabilidade do sistema de saúde depende, por demais, da promoção da saúde e prevenção da doença. Portugal tem, o que é bom, uma longevidade populacional com duração assinalável, enquanto carrega o ónus de ter uma duração de vida saudável, acima dos 60 anos, das piores da Europa, o que é péssimo. Esta é uma das maiores ameaças à sustentabilidade do sistema de saúde e não apenas do serviço nacional de saúde.
Devemos assumir, como outros países já fizeram, uma meta de tabagismo zero. As propostas de medidas são boas, mas ainda terão de ir mais longe. Deverão também considerar a proibição de fumar dentro de veículos, de uso público ou particular (há uma associação entre os condutores estarem a fumar e o risco de acidente, além de que não é aceitável que os passageiros, mesmo os futuros, sejam expostos a produtos que ficam alojados nos plásticos de revestimento). Será importante proibir que se fume em esplanadas, mesmo se abertas, parques públicos e praias. Deve-se intervir diplomaticamente para promover o plain packaging na UE. Nada tenho, para lá do meu veemente aconselhamento a que não fumem, para com os que entendem fumar nas suas casas e espaços privados. Por exemplo, acho que os hotéis poderiam ter quartos para fumadores sem terem áreas públicas para que se fume. Defendo mesmo que se deve avançar com a eliminação de zonas de fumadores em gares e aeroportos. Todavia, estas medidas não podem ser desacompanhadas do reforço dos impostos sobre o tabaco que ainda estão baixos, p.e comparativamente com o que se cobra de IRS. Mas há uma ressalva importante. Mais do que proibir a venda em máquinas que, obviamente, não deverão estar disponíveis em determinados locais, será bom considerar que a venda de tabaco, em locais autorizados, só se faça através de máquinas automáticas com controlo de idade por documento como o cartão de cidadão e com limitação do número de maços passíveis de aquisição por dia (1 a 2). Infelizmente, por razões que teriam de ser explicadas numa exposição mais longa e que nem sempre são compreendidas completamente, a educação para a saúde tem funcionado para incentivar os adultos a deixar de fumar e não tem sido capaz de conter a entrada no vício de novos fumadores jovens. No caso do tabaco, as medidas que dificultam o acesso são aquelas que se têm demonstrado mais eficazes. Por exemplo, o agravamento dos prémios de seguros de saúde a fumadores pode explicar, parcialmente, o abandono do tabaco por adultos com capacidade, vontade e necessidade de contratar seguros. Um mecanismo eletrónico que impedisse a venda de tabaco a menores seria bem-vindo. Nunca é tarde para deixar de fumar, mas o ideal é nunca começar para que se previnam males futuros e irreversíveis.
Não podemos criticar a falta de resposta dos serviços de saúde e, ao mesmo tempo, não apoiar as medidas de combate ao tabaco e álcool. Ainda nos falta avançar no combate ao álcool com a proibição de consumo na via pública (como se fez durante a pandemia), proibição de publicidade e promoção de eventos culturais e desportivos por marcas de bebidas alcoólicas, impor a colocação de avisos de riscos sanitários nos rótulos das bebidas com álcool, passar o IVA do vinho para o escalão máximo e reforçar impostos específicos, tal como para o tabaco. Tal como não se pode combater o tabagismo e pugnar pela liberalização da venda, para consumo recreativo, de drogas psicotrópicas. O álcool etílico é uma delas e não precisamos de ainda mais.
Haja coragem e força para lutar pelo que é cientificamente certo e socialmente justo. Todos temos o direito à proteção da saúde e a obrigação de zelar por ela, tal como a Constituição dita. Os mais pobres são os que mais são atingidos pelos problemas ligados ao tabagismo e ao álcool. Logo, estas políticas são saudáveis e de proteção social. Por tudo isto, se houver a apresentação de uma proposta de Lei na AR, os cidadãos devem contar com o contributo e aprovação de legislação eficaz por parte do PSD, o maior partido da oposição, que inexoravelmente virá a assumir os destinos da Governação. Neste caso, de defesa de uma garantia constitucional, não é relevante saber quando muda o Governo, nem discutir se a questão é de esquerda ou de direita. É de todos e é para avançar já! Sem hipocrisias.