É uma coisa estranha. Já me questionei se será problema de vista ou do malandro do algoritmo. Tem-lhe acontecido o mesmo? Há para cima duma semana que não vejo o Partido Socialista queixar-se de perseguição da justiça. Estará tudo bem? Alguém ligue para o Largo do Rato, não vá Carlos César estar preso debaixo de algum móvel pesado e não conseguir ligar para um órgão de comunicação social. Ou Augusto Santos Silva ter-se trancado acidentalmente na casa de banho. É que uma pessoa habitua-se à teoria da cabala e, depois, sente a falta. Então, a justiça acorda, mete-se num avião e vai à Madeira “derrubar” autarcas e “interromper” governos democraticamente eleitos? Do PSD e do CDS? Em véspera de eleições no país? E o que é que fazemos às nossas teorias da conspiração? À sessão semanal do “Ana Gomes acusa”? “Às lambadas do Ascenso”? “Às indignações de Manuel Alegre”?

Atenção, caro leitor. Não acredite logo em tudo o que vê. Isto podem ser tudo manobras de diversão. Para fingir que ninguém está acima da justiça, está a ver? Então, os fulanos estão lá na Madeira no bem-bom e levam com aviões de guerra? Aviões de guerra? Meninos. Haviam de apanhar com parágrafos, para verem o que era bom! Com as letrinhas todas ali, umas a seguir às outras, escritas em comunicados com pontos e com vírgulas, mesmo para doer, mesmo para dar espectáculo para as televisões!

Nisto, quase não se falou do camarada José Sócrates, outra vez a ser perseguido por juízes e jornalistas. Um mártir socialista que só não é o original porque, como lembrava recentemente João Miguel Tavares em crónica no Público, desde pelo menos o caso Casa Pia, há mais de 20 anos, que o PS se queixa, já então pela voz do inefável Augusto, da “organização do sistema de justiça”, de uma “verdadeira conspiração de extrema-direita contra o Estado democrático” e de uma “fortíssima operação de intimidação a todos quantos queiram exercer o seu direito de actividade política”. E “Quem investiga a investigação?”, questiona. Sim, quem? Isto agora a justiça é livre? Ninguém lhe põe a mão?

Não sei onde cabem na tese outros desenvolvimentos recentes, como a detenção daquela rapaziada dos Super Dragões, mas estou certo de que alguém no PS arranjará uma teoria. À justiça o que é da justiça, à política o que é da política e ao macaco o que é do macaco. Mas é desagradável, caramba. Em antevéspera de eleições no Futebol Clube do Porto, detêm-se assim figuras ilustres da instituição? Ligadas à mesma lista que o ministro da saúde Manuel Pizarro não se coíbe de apoiar publicamente como primeiro signatário da comissão da recandidatura? Como, ainda há pouco mais de três anos, António Costa primeiro-ministro e Fernando Medina, então presidente da câmara de Lisboa, também não viram problema nenhum em integrar a comissão de honra de um Luís Filipe Vieira já então com mais suspeitas no currículo do que taças no museu?

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Se não é perseguição, é muito azar. Parece que o PS não pode ter amigos que a justiça vem logo meter-se com eles. De Vieira a Salgado. De Carlos Santos Silva ao Godinho dos robalos. De Escária e Lacerda aos modernaços de Sines.

E no meio disto, Portugal continua a cair no Índice de Percepção da Corrupção, cada vez mais para trás de Cabo Verde e de baluartes históricos da civilização e da democracia como umas Baamas, umas Seicheles, umas Barbados ou uns Emirados Árabes Unidos. Calúnias, obviamente. Populismos da extrema-direita. Campanhas negras dos neoliberais.

A verdade, verdadinha, é que tem sido um Outono-Inverno rigorosíssimo para os valentões. Primeiro, foi o primeiro-ministro do “habituem-se”; depois, o PSD Madeira; a seguir, o animal feroz; finalmente, a guarda pretoriana da região autónoma do Futebol Clube do Porto. E ainda faltam quase dois meses para a Primavera. Até parece que vivemos num país civilizado, onde não se pode intimidar jornalistas, agredir pessoas, vandalizar casas, ameaçar adversários, usar lugares públicos para tratar de interesses privados, onde os políticos não podem enriquecer loucamente aos olhos de toda a gente, onde um só juiz, sempre o mesmo, não pode deitar abaixo todas as investigações.

Cá para mim, isto é mas é a justiça que anda em campanha eleitoral. A continuar assim, ainda acaba com a teorias da conspiração do PS. E com o discurso ao Chega. E, depois, o que é que fica? Um país onde se joga limpo? Não sei se estamos preparados.