De acordo com o recentemente noticiado, o ministro da Defesa Nacional (MDN) pretende criar uma entidade de avaliação da Condição Militar e, nesse sentido, terá providenciado a ida da sua secretária de Estado a França, com o fim de colher informação suficiente sobre a matéria junto das entidades responsáveis para o efeito naquele país.

Perante esta iniciativa ministerial, duas perguntas importa fazer, enquanto algumas questões com elas relacionadas se deverão colocar.

A primeira pergunta prende-se com o facto de o MDN ter considerado necessário enviar um emissário ao estrangeiro para, ainda de acordo com a notícia em questão, recolher e analisar dados com vista a habilitar os decisores políticos nacionais na procura de soluções que possam responder às questões relativas à condição militar.

Na segunda pretende-se entender qual a real intenção do MDN em vir, agora, publicitar a sua preocupação no âmbito de uma matéria que, ao longo de todo o seu mandato, foi continuadamente desrespeitada pela falta de cumprimento da lei que a regula (Lei nº11/89).

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Em relação à primeira pergunta, não será crível que, mesmo com a quase total indiferença que a Condição Militar tem merecido por parte do seu ministério, o MDN possa desconhecer o quadro de queixas dos militares, no âmbito da Lei que regula os seus especiais deveres e direitos, quando essa falha tem sido levantada, reiteradamente, pelas Chefias Militares e pelas associações sócio profissionais.

Nesse sentido, será impossível desconhecer as graves lacunas que há demasiado tempo se verificam em domínios tão importantes como sejam o apoio na saúde, o apoio social complementar e a assistência na doença aos militares e suas famílias, e que se constituem como factores decisivos para a eficácia do cumprimento das missões atribuídas.

No âmbito da saúde militar, é sobejamente reconhecido o estado comatoso em que o Hospital das Forças Armadas (HFAR) se encontra, como resultado, num primeiro momento, da forma politicamente incompetente como o processo do seu levantamento foi conduzido, enquanto, num momento seguinte, se veio a assistir ao esvaziamento progressivo de profissionais de saúde, civis e militares, à extinção de capacidades clínicas, bem como à ausência do indispensável investimento para a necessária racionalização funcional do hospital.

Relativamente ao apoio social complementar, o MDN não pode escamotear a desconstrução a que esta área tem sido sujeita, por efeito da continuada desorçamentação do Instituto de Acção Social das Forças Armadas (IASFA), a par do seu inadequado processo de administração, fortemente condicionado pelo estatuto de instituto público que lhe foi consignado por decisão politicamente orientada e comprovadamente inadequada aos fins que estiveram na génese da sua fundação.

As disfunções resultantes desta realidade, tendo um severo impacto no apoio social à Família Militar, foram deixando progressivamente muitos dos seus beneficiários, em particular aqueles com maiores carências de recursos, sem possibilidade de recorrerem ao apoio a que têm direito.

De igual modo, o MDN não pode ignorar os problemas que se têm avolumado no domínio do sistema de apoio à doença dos militares (ADM), cuja integração no IASFA veio, desde logo, comprometer seriamente a matriz estrutural de intervenção deste último, no âmbito do apoio social aos seus associados.

Acresce o facto de a ADM ter vindo a deixar acumular avultadas dívidas e consideráveis atrasos no pagamento a entidades protocoladas na prestação de cuidados de saúde, pelo facto de o Estado português não ter vindo a honrar a sua responsabilidade nesta área, tendo-se criado, deste modo, as condições para o cancelamento de sucessivos acordos e protocolos.

No mesmo sentido, a responsabilidade que o Estado devia deter no âmbito das despesas relacionadas com o apoio na saúde aos deficientes das FA e com os desastres em serviço tem sido suportada, maioritariamente, pela ADM, que igualmente vem financiando indirectamente o HFAR, pelo pagamento de despesas na prestação de cuidados de saúde que não lhe competem, como, aliás, o Tribunal de Contas em tempo denunciou.

Como resultado, os militares, que obrigatoriamente descontam 3,5% do seu vencimento para a ADM, para poderem usufruir do apoio na doença e nos cuidados de saúde, ao contrário do estipulado na Lei da Condição Militar que lhes preserva esse especial direito, têm vindo a sofrer o ónus de um apoio progressivamente deficitário nestes domínios, numa deriva atentatória aos seus direitos, acabando por se sentirem empurrados para fora do sistema, na procura de alternativas compatíveis com as suas necessidades.

Em relação à segunda pergunta, inicialmente colocada, importaria perceber, então, o porquê desta serôdia preocupação com a Condição Militar, por razão das questões atrás expostas, materializada pela ida de um secretário de Estado ao estrangeiro, e reflectir sobre o calendário escolhido para o efeito.

Com um governo em final de exercício e em módulo de gestão corrente, tudo pareceu resumir-se, afinal, a mais uma tentativa de o MDN mostrar trabalho político acabado, por via duma manobra mal disfarçada de opinião publicada, em consonância, aliás, com o recente e famigerado processo da reforma das Forças Armadas, e que agora, em estertor de funções, pretendeu replicar.

Para tanto, não seria de todo necessário ir procurar lá fora as respostas que, cá dentro, há muito se conhecem, bastando simplesmente, para o caso, o cumprimento escrupuloso da Lei da Condição Militar por parte do governo, acabando com os subterfúgios e com as falácias utilizadas para a contornar e abstendo-se de simular o interesse numa matéria para a qual não tem demonstrado a vontade política necessária para o seu adequado tratamento.