Com o debate aceso sobre o problema de falta de habitações em geral, e de falta de habitações a valores suportáveis pelo português médio em particular, um dos números que se atirou para a discussão foi o de que haveria 730.000 habitações vagas em Portugal, e que essas habitações só não estariam ocupadas porque os seus proprietários, por uma qualquer razão, não as queriam colocar no mercado.

Admitamos que existem proprietários que, por uma qualquer motivo pessoal, não queiram vender ou arrendar o seu imóvel (ou porque está à espera que o filho ou filha se casem, ou acabem o curso, ou porque se quer mudar para lá assim que se reformar, ou porque não sente confiança na legislação de arrendamento, entre outras), no entanto, a lógica apontaria para que um qualquer agente económico racional queira rentabilizar o seu ativo, e não mantê-lo parado.

Olhemos para a tabela abaixo, relativo a alojamentos vazios obtido de números do INE:

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Se repararmos, em primeiro lugar não estamos a falar de 730.000 alojamentos vagos (no sentido de estarem fora do mercado), são 375.000, porque 348.000 estarão nalguma fase de comercialização, e logo, espera-se que em breve estejam ocupados.

Quanto aos outros 375.000, há as mais variadas razões para que esses imóveis não se encontrem no mercado:

  • Heranças. Houve 125.000 óbitos em 2022 e Portugal é um país de proprietários. É infelizmente frequente os herdeiros não se entenderem, o que leva a processos que duram anos em tribunal.
  • Penhoras e ações judiciais. Nem sempre os imóveis penhorados estão vagos, sendo que em 2021 foram cerca de 20.000 imóveis, só pelas autoridades fiscais (de acordo com o relatório sobre o combate à fraude e evasões ficais e aduaneiras, apresentado pela AT). A estes números poderemos acrescentar todos os que são penhorados por entidades privadas.
  • Análise, projetos, licenciamentos, construção. Há muitos imóveis que depois de comprados passam por fases de estudo, projeto, pedido de licenciamento para construção ou remodelação, e, finalmente, construção. Durante todo este período esses imóveis estarão naturalmente, vazios.
  • Inabitáveis. Embora o INE exclua as ruínas e edifícios claramente inabitáveis destas estatísticas, haverá alguns que, estando na fronteira, precisam de obras de reabilitação, que nem sempre os proprietários têm disponibilidade para suportar.
  • Idosos. Não sei se os “outros casos” do INE incluem as situações em que os idosos deixaram as suas casas para irem morar com familiares ou para um lar, mas não querem vender a sua casa na esperança de um dia voltarem.

Enfim, haverá ainda mais casos, para além destes, que certamente explicam os imóveis vazios.

Os apartamentos que estão fechados por uma qualquer vontade do proprietário (e há alguns casos, em particular em imóveis de ARAI, vulgo “golden visa”, em que os proprietários se limitam a cumprir os 15 dias exigidos por ano estando, no resto do tempo, o alojamento fechado), serão uma minoria. Existem algumas situações em que os proprietários retiraram os imóveis do mercado de arrendamento por não confiarem na celeridade dos processos de despejo.

Se olharmos para a tabela verificamos que os “outros casos” da tabela têm oscilado, nos últimos 30 anos, entre os 300 e os 460.000, o que parece indicar uma constância nesta categoria, ou seja, não houve uma subida abrupta nos últimos anos (até diminui a partir do pico). Tendo em conta o aumento gradual do número de imóveis existentes, este valor até tem diminuído em termos percentuais.

É fácil pegar num número, demonizar os proprietários, e dizer que vamos ocupar as casas que estão vagas, por causa do direito à habitação supostamente se sobrepor ao direito à propriedade.

É mais difícil analisar as causas dessas casas estarem vagas, como os atrasos dos tribunais, dos licenciamentos camarários, de situações sociais e decisões pessoais, e tirar daí conclusões sobre que leis devemos fazer e que processos devemos agilizar para que haja menos casas vazias.