Um dos direitos que as câmaras municipais têm é o direito de preferência de compra sobre qualquer transação de imóveis que se situem nas designadas “zonas de pressão urbanística” (ZPU), ou seja, zonas onde se considera que existe uma carência de habitações.

Tem-se verificado que, nos últimos tempos, diversas câmaras municipais, pelo menos na zona da Grande Lisboa, têm cada vez mais vindo a exercer o direito de preferência sobre transações de imóveis de habitação.

A questão do porquê estará provavelmente ligada à necessidade que as câmaras têm de gastar verbas do PRR alocadas à aquisição de habitações, para fim de rendas acessíveis ou sociais.

Uma notícia de 5 de abril deste ano da Dinheiro Vivo informava que as autarquias de Lisboa e Porto gastaram, desde 2016, 29 milhões de euros na compra de 69 imóveis. Este movimento tem-se intensificado nos últimos dois anos, com o aparecimento das verbas do PRR, estando este direito particularmente focado em imóveis até 200.000 euros.

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Na minha atividade, sucedem-se os casos de imóveis que iam ser adquiridos por um particular e, na altura da escritura, aparece a câmara municipal a exercer o seu direito de preferência e zás, o promitente comprador fica sem imóvel!

Ainda recentemente tivemos uma situação (não vale a pena referir a câmara) em que um apartamento abaixo dos 200.000 euros ia ser comprado por um particular, que já tinha feito a diligência junto de um banco para obter o respetivo financiamento, pago a avaliação bancária e, quando a escritura já estava agendada, aparece a câmara municipal a exercer o seu direito de preferência. O comprador ficou indignado e foi à câmara apresentar o seu caso, que tinha gasto dinheiro na abertura de processo, na avaliação bancária, que contava com essa casa para morar… não adiantou.

O proprietário, por sua vez, dirigiu-se à câmara para saber como era, e dizem-lhe que teria que esperar pelo menos mais uns 4 a 5 meses até à escritura, porque a compra tinha que ser aprovada em assembleia municipal, e passar pelos trâmites administrativos e processuais. O proprietário disse que nem pensar, não ia esperar esse tempo todo, retirou o imóvel de venda e arrendou-o.

Resultado deste processo:

  • Um cidadão que precisava de uma casa para morar ficou sem ela, e sem os custos da avaliação bancária.
  • Um proprietário que queria vender a sua casa, acabou por arrendá-la.
  • Uma câmara municipal que pretendia comprar um imóvel, não o conseguiu comprar.
  • Uma mediadora ficou sem comissão de mediação.
  • Um cidadão arrendou uma casa.

O saldo final foi que, em termos de parque habitacional, nada mudou, ou seja, o número de casas não aumentou no país, apenas a pessoa que foi para lá morar foi um arrendatário, em vez de ser um proprietário, ou alguém designado pela câmara.

Para que servem estes processos? Compreendo que as câmaras municipais queiram aproveitar os montantes do PRR e que, como não conseguem provavelmente usar esses montantes para construir novas habitações, acabem por concorrer com os particulares, num mercado que já é de si escasso.

Parece ser este o caminho mais simples e rápido para um município, em vez de nova construção ou reabilitação do existente, mas também me parece que é o caminho que cria menos valor, ou até destrói.

No caso apresentado, o estado/município perdeu o IMT, o imposto de selo da transação, as taxas sobre os emolumentos da escritura e registos, o IS sobre o empréstimo hipotecário, e o IVA da comissão da mediadora. Tudo somado, claramente inferior aos 25% que vai cobrar sobre a renda.

A economia perdeu ainda as comissões de serviços das diversas entidades que participariam no processo (mediadora, notários, advogados, banco, seguradora, etc).

Não será preferível os municípios agilizarem os programas de licenciamento e construção de nova oferta habitacional?