1 Recentemente, amigo que muito prezo recordou-me que: governar é, acima de tudo, uma questão de carácter.
O actual governo, bem-sucedido na macroeconomia, acumula demasiados episódios com governantes que tudo negam e que acabam “apanhados”. António Costa, sem resquício de indignação, a todos tem defendido e a nenhum criticado. Perante a acusação de Rui Rio de que “o PS olha para o Estado como se fosse dono disto tudo”, não a negou. Antes abraçou o PSD na mesma falta de ética: “o PS não aceitava lições de ética do PSD” por terem, também, “telhados de vidro”. Não revelou desconforto com o uso do poder do estado para favorecimentos pessoais ou partidários, pasto da corrupção que mina o Estado e destrói instituições que devia proteger, como é o caso do Montepio.
2 O Montepio, para grande parte dos portugueses, fazia parte da “família”. Era o pentavô autónomo e senhor do seu destino, que ontem, contrariando as leis da natureza, tinha rejuvenescido e relançado nos desafios da actualidade exibindo um estofo de maratonista notável. A última década trouxe-lhe a decadência, hoje de destino incerto e totalmente dependente do poder político, uma caricatura do que ontem era motivo de orgulho e admiração.
O drama do Montepio começou a escrever-se quando o “triângulo nefasto” de banqueiros, políticos e empresários — no dizer da Comissão de Inquérito Parlamentar à CGD — no governo de José Sócrates e com a mão de Ricardo Salgado “por detrás do arbusto”, partiu à conquista do sector financeiro, e assaltou o BCP, a partir da CGD, e… o Montepio, através do “golpe palaciano” que afastou Silva Lopes e levou Tomás Correia (TC) à presidência pela “porta do cavalo”, em Março 2008. BES, CGD, BCP, Montepio e BP, passaram a ser as fronteiras do seu império bancário.
É estulto o esforço de justificar a situação do Montepio com a crise financeira. O Montepio, em final de 2010 — no rescaldo da crise — estava de boa saúde financeira, que foi utilizada para “absorver” os falidos Finibanco e a Real Seguros. Então, Tomás Correia, herdeiro da gestão conservadora do Montepio, considerava a “sua” gestão merecedora de ser “case study”. A crise não passou pelo Montepio. O Montepio foi levado para a crise em benefício das conveniências económicas e políticas do “triângulo nefasto”. Não há volta a dar!
3 Nos doze anos de presidência de Tomás Correia, o Montepio converteu-se numa “coutada” do PS, com respaldo no governo — exceptuando os quatro anos do governo de Passos Coelho –, usado a seu belo prazer, facto que a gabarolice dos “donos disto tudo” não escondia. E justifica que, regressados ao governo, se tenham aprontado a apagar os incêndios no BES, BANIF e CGD e escondido o fogo no banco do Montepio de que tinham sido os incendiários. Nos primeiros foram despejados rios de dinheiro dos contribuintes. No Montepio foi mais fácil meter a mão nas poupanças dos mutualistas (ver mapa)
Injecções de capital da Mutualista no grupo, na gestão de Tomás Correia (milhões €)
As auditorias forenses ao BES e ao Montepio, alertaram o país para a gestão em “roda livre” e fora de fiscalização, na Mutualista. O governo de Passos Coelho viu na supervisão dos seguros (ASF) a solução para a fiscalização independente, processo que, por pouco, não foi ultimado na sua legislatura. Apesar do trabalho adiantado, esta legislatura termina sem que, em concreto, nada se tenha alterado na “coutada”. Após o fracasso das parcerias estratégicas, em que o Montepio ia andar de braço dado, com chineses (que acabaram presos) e com a Santa Casa (que entraria com 200 milhões no banco), servidas com grandes encenações, o Montepio passou à categoria dos “problemas que o tempo há-de resolver”. Uma pazada de créditos fiscais embelezaram o balanço da Mutualista, e o novo Código das Associações Mutualistas (CAM), a salvação “no dia de são nunca à tarde”, não sai do papel, desrespeitado à nascença, sem aplicação ou efeito prático. A legislatura passou, a Mutualista viu destruídos 750 milhões e tudo piorou.
Vieira da Silva, com a candura duma virgem, surpreendeu ao afirmar que o seu ministério (MTSS) não tinha capacidade para fiscalizar a Mutualista. Ora Vieira da Silva é o político que melhor conhece o fígado, os rins e os intestinos do seu ministério. Tem dezenas de anos de carreira profissional e política no MTSS. É a pessoa de quem menos se esperava esta “bujarda”. Quando descobriu Vieira da Silva a incapacidade tutelar? Sugere que tem sido enganado por Tomás Correia e que não tem responsabilidade na sangria da mutualista? Ou é manha de político matreiro a “pôr-se ao fresco”?
4 O Montepio atolou-se em “esquemas”, negócios pouco claros, “luvas”, cartéis e até instalou o “offshore de Singapura” na sua Sede. O seu futuro é sombrio e a caminho da irrelevância. Apesar dos activos sobrevalorizados e das responsabilidades subavaliadas, debate-se com uma falência técnica crescente que já ascendia a 1.100 milhões, em 2018, que prossegue em 2019, e já não consegue financiar-se no mercado (os investidores que emprestaram 500 milhões ao BCP a 3,8%, não arriscaram 150 milhões no Montepio, a 10,5%). Algures, nos doze anos do Plano de Transição, a ASF irá exigir à Mutualista que dilua a concentração dos investimentos e reponha a verdade que falta no seu balanço. Será o momento de se saber quem paga a factura: se os associados e pensionistas, através de um “hair cut” nas poupanças à guarda da mutualista; ou através da “ajuda do Estado”, com todas as implicações políticas associadas.
Estivemos em campanha eleitoral, e o Montepio não foi tema de campanha, apesar dos 650.000 associados e pensionistas, igualmente votantes. O que pensam os partidos sobre o “problema” Montepio? Que compromissos estão disponíveis para assumir? Continuamos sem saber.
5 Os “donos disto tudo” fazem agora uma retirada ordenada. Vieira da Silva e Tomás Correia desaparecem de cena na próxima legislatura. O primeiro retira-se e o segundo não tem idoneidade para continuar – independentemente da encenação que venha a ser montado para a sua saída com “dignidade”. Quem vier a seguir que feche a porta.
Mal vai uma democracia e um parlamento indiferentes ao apuramento das responsabilidades políticas do Estado, pela incúria no dever de tutela de uma das maiores, mais importantes e mais vetustas instituições nacionais.