Vitor Melícias (VM), presidente da Mesa da Assembleia Geral (MAG) do Montepio, na sequência da polémica afirmação de que não seria um “ministro ou um secretariozeco a afastar a gestão do Montepio”, a propósito da avaliação da idoneidade de Tomás Correia (TC), foi entrevistado pelo Observador, em 23 e 28 de Março último, onde desenvolveu opiniões, defendeu conceitos e apresentou a versão da sua passagem pelo Montepio.
VM da igreja, da banca e das instituições de solidariedade social, sobrepõe na sua pessoa três universos supostamente liderados pela nata da ética e da honestidade, a que adiciona formação em direito. Futebol, fado, touradas e um fígado de fazer inveja, condimentam o sedutor “cocktail” da sua personalidade, que serve com enormes doses de lata ou arrogante sarcasmo e desdém.

Admitindo pouco saber e muito presidir, reivindica méritos que os resultados da sua acção não confirmam e não são reconhecidos pelos que com ele trabalharam, a quem muito prometeu e pouco cumpriu.
O franciscano vigário, aviva-nos o Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente. Frade e homem de leis adultera a história para iludir os “parvos”. Pequenas e grandes imprecisões, pequenas e grandes mentiras, revelam a “muita parra e pouca uva” do grupo que, nos últimos 15 anos, fez do Montepio a sua coutada, assente em elogios recíprocos e na apropriação da acção alheia, com o intuito de se mostrarem os mais empenhados defensores da instituição.

Quando o Tomás Correia nasceu eu já lá andava há que tempos… enfatizou VM. Também este escriba “ já lá andava há que tempos” quando VM nasceu, e com ele trabalhei directamente nos 5 anos da sua presidência, e a história que vivi diverge, em muito, da estória de VM, razão de ser deste artigo.

O MARIDO DE MARIA BELÉM ROSEIRA IMPEDIU A NACIONALIZAÇÃO.

VM revela que entrou no Montepio “pela mão” de Manuel Pina, marido de Maria de Belém Roseira, amigos no grupo de socialistas católicos ligados à Segurança Social, que orbitava em redor de VM e de António Guterres, e se encontravam no Banzão, em casa de Maria de Belém e Carlos Santos Ferreira, cuja mulher é afilhada de VM.

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E acrescenta, sobre Manuel Pina: “ homem que terá tido um papel importante para evitar a nacionalização … do Montepio … que terá chegado, mesmo, a estar referida numa versão preliminar do decreto das nacionalizações … no período pós-revolução.” Não é verdade.

A nacionalização da banca ocorreu em 14/Mar/75 no rescaldo do “11 Março”, em pleno período de “O povo é quem mais ordena”. Foram os trabalhadores do Montepio que, alertados para a nacionalização iminente, acorreram a explicar à direcção do seu sindicato (SBSL) – com bastante influência na nacionalização – a excepcionalidade da “casa”, e um seu representante foi, integrado na comitiva sindical, ao Conselho da Revolução explicar, ao capitão-de-fragata Almirante Vitor Crespo, a natureza mutualista, popular e não capitalista da instituição.

O marido de Maria Belém só chegaria ao Montepio mais tarde, em 1977, nomeado pelo governo de Mário Soares.

O franciscano vigário, puxa para o grupo do Banzão um relevo que não teve, e que é pertença dos que trabalham no Montepio. Enaltece o marido de Maria Belém, e esta devolve considerando VM “uma “pessoa fantástica, com uma vida dedicada a causas, que sempre esteve para servir e não para se servir”.

O GRANDE DINAMIZADOR  DOS 130.000.

Confrontado com o facto de a sua presidência ter travado a recuperação que o mutualismo estava a encetar quando chegou à presidência do Montepio, VM contrariou os jornalistas contrapondo: “em 1983 fui o primeiro grande dinamizador da abertura a novos associados” e acrescenta “Pela primeira vez entraram mais de mil associados num ano”. Não foi “ primeiro grande dinamizador” de coisa alguma. Os “milagres” dos que muito mudam, instantaneamente, com a sua simples presença, ocorrem noutras dimensões que não a empresarial.

O mapa abaixo, com os números da evolução associativa antes, durante e depois, da sua presidência (a amarelo) esclarecem.

É verificável o progressivo crescimento iniciado em 1981 e até 1984… a que sucede o declínio constante até à sua saída.

Esta evolução explica-se pela dinamização (programa de formação mutualista) iniciada em 1982 – antes da chegada de VM – e que se estendeu até 1983. A criação, a seguir, da Lusitânia Vida (concorrente do mutualismo) ditou o congelamento do mutualismo, que só voltou a conhecer o calor do sol em 1988, pela mão de Costa Leal.

Envergonhado com a pequenez dos seus números – crescimento de 10 mil para 13 mil associados – VM veste roupa alheia: “Foi uma verdadeira abertura, ao fim de uns anos já estava em 130 mil”  sugerindo um imediatismo que só seria atingido em 2000,  treze anos mais tarde, só possível pelo crescimento do Montepio de 30 para 300 balcões, obra da presidência de Costa Leal.

A motivação de VM, nos cinco anos da sua presidência, esteve centrada na criação da União das Mutualidades Portuguesas (UMP)- de que foi presidente durante 15 anos – para o que contribuíram os dois congressos patrocinados e organizados pelo Montepio, o último dos quais conhecido pelo congresso do Melícias – devido à focagem mediática na sua pessoa – e que serviu de rampa de lançamento para a provedoria da Santa Casa, para onde seguiria meses depois, com Maria Belém como vice-provedora. (Ironicamente, o Montepio já não faz parte da UMP que criou.)

A “verdadeira abertura” que VM promoveu foi aos “jobs for the boys”, com o grupo do Banzão a assentar arraiais no Montepio – admitidos uns (como a afilhada de VM, que rapidamente ascendeu a directora), contratados outros (assessores, consultores…) – e ao “show off”, até então inexplorado no Montepio.

LISTA INSTITUCIONAL E OBRIGAÇÃO ESTATUTÁRIA.

Na entrevista, VM justifica ser um presidente salta-pocinhas com o ensinamento de São Francisco que o orienta:  “Os irmãos trabalhem fiel e devotamente e quando virem que a obra em que estão a trabalhar … pode ser entregue com utilidade a outro, retirem-se discretamente e vão para outro lado”.

Dificilmente se descortina a necessidade do “trabalho fiel e devoto” de VM no Montepio, uma das  “obras” mais antiga, mais sólida e mais robusta da sociedade portuguesa e menos necessitada do seu cuidado, à qual se mantem colado como uma lapa. Justifica-o contorcendo-se numa rebuscada teorização: ”Por estatuto…para não se criar vazio… estas organizações têm a obrigação… de a própria administração propor uma  lista – essa é a lista institucional. Eu tenho sempre integrado (se me convidam)… essa lista”,  procurando induzir a ideia de “dever”. Não colhe.

Não colhe, porque até o mais desatento sabe que as eleições ao Montepio têm sido disputadas por várias listas, não havendo, portanto, o perigo do “vazio”, e porque também não há, estatutariamente, a obrigatoriedade do Conselho de Administração (CA) apresentar uma lista: (art.º 42º. 5.) “As listas de candidatura podem ser subscritas pelo Conselho de Administração ou, … por um mínimo de 300 associados…”. Ou seja, os estatutos apenas conferem ao CA o privilégio de não  recolher 300 assinaturas, para apresentar uma lista. Nada mais.

O franciscano vigário dissimula que está agarrado ao Montepio porque quer, e não por ser útil ou necessário à “obra”, com recurso à trapaça da utilização dos meios humanos e financeiros da instituição, pela sua lista, revestindo-a dum “direito” decorrente da obrigatoriedade estatutária, como tem acontecido nas eleições dos últimos 15 anos.

A REFORMA GORDA RESULTA DE “VINTE ANOS DE DESCONTOS”.

E chegamos ao busílis da questão.

Falar de remunerações dos corpos sociais é falar do clube restrito dos “pensionistas de luxo” do Montepio e dos privilégios que beneficiam.

Relembrando: os corpos sociais do Montepio resultam de listas constituídas por critérios não necessariamente de competência, o que permite a padres, autarcas, deputados e outros pouco ou nada qualificados, serem remunerados, regiamente, como banqueiros (em 2012, cada administrador, em média, meteu no bolso a módica quantia de … UM MILHÃO de euros).

Acresce ainda, nos termos estatutários, o direito a pensão de reforma calculada na base de “5% por cada ano de exercício do cargo”, eactualizada de acordo com as variações da retribuição dos Vogais da Administração”, um regabofe que torna extensivo a todos os ex-administradores a actual indecorosa remuneração dos vogais ( 336.000€ anuais), a todos silenciando e unindo na mesma iniquidade.

Daqui resulta que ex-administradores vejam quadruplicado, triplicado, duplicado o vencimento base sobre o qual são calculadas as suas pensões e aufiram mais como reformados do que no activo, como VM (1983 a 1988) ou o marido de Maria Belém – os únicos vinte anos no cargo (1977 a 1997) e a atingir a pensão de 100%.

O regabofe é ainda complementado com as remunerações que continuam a auferir nos corpos sociais do grupo. Um verdadeiro El Dourado, que não merece reprovação ou reparo ao entrevistado VM.

Confrontado com a gorda reforma que recebe graceja,  ofendendo o português comum, ao  considerar “ que é uma reforma baixinha”, os 84 mil euros anuais que recebe há 15 anos do Montepio, por apenas cinco anos de “trabalho”. Pecúlio a que acrescenta as remunerações das várias presidências que exerce na instituição, que, estimo, tenham elevado para cerca de 190 mil euros o total anual facturado no Montepio, de 2012 e 2015.

No clube dos “pensionistas de luxo” cabem protegidos e afilhados, como a mulher de Carlos Santos Ferreira, directora reformada por “doença” há mais de 20 anos, com apenas três anos de “trabalho” efectivo,  caso único no Montepio e exemplo tocante de “solidariedade mutualista”.

A “EMINÊNCIA PARDA” DOS ÚLTIMOS 40 ANOS.

Compreende-se, pois, que o clube nada queira alterar e tudo faça para prolongar o “status quo” no Montepio.
VM passeou-se pelo decorativo Conselho Geral e aumenta protagonismo –  e remuneração – após a saída de Costa Leal, pela mão de Tomás Correia, a partir de 2007, quando ascende à presidência da MAG e se torna na “eminência parda” dos últimos 12 anos.

Sem pudor, boicotou a revisão dos estatutos decidida pela AG, em 2008 – bloqueando mudanças nas regras do poder –  e distingue-se na liderança do viciado jogo eleitoral em que é, simultaneamente, árbitro e jogador.  Dá cobertura aos golpes baixos que favorecem a sua equipa, como os “kits de substituição” que os opositores denunciam servir para falsificar votos – milhares de votos avulso para suprir ocasionais enganos dos eleitores, enviados aos directores. (Nas eleições de Dezembro último, com grande cobertura mediática, recuaram e decidiram enviar os “kits”, directamente, a quem o solicitasse. Não houve nenhum pedido!!!. Revelador.)

Nas AG’s, sarcasmo e desdém diminuem os opositores (o “eco” do secretariozeco não é defeito, é feitio), as contagens das votações não têm rigor e a comunicação aos media alimenta a encenação de uma vida associativa que na realidade  é inexistente. VM aplica-se a fundo nos momentos críticos da vida do Montepio, como nas AGs.de2012, no Coliseu com 1.400 presenças – predominantemente trabalhadores – em que autorizou a filmagem de votações para condicionar os presentes.

A “GRANDE OBRA” DE TOMÁS CORREIA.

A acção icónica da presidência de TC, foi a compra do Finibanco, que cavou o buraco em que o Montepio se encontra, o “purgatório” mas longe da “falência” segundo VM,  o que, no entanto, não o impede de enaltecer a “grande obra” de TC, e considerá-lo “um dos presidentes mais destacados” da história do Montepio.

O seu génio de “gestor” reduz a decisão estratégica de compra do Finibanco, a um jogo de sorte e azar: “quem não arrisca não petisca… às vezes acerta, outras vezes não acerta”. O franciscano vigário, que pessoaliza êxitos e avoca méritos alheios, chuta responsabilidades ao enfatizar que “o conselho fiscal e assembleia geral aprovaram”. Dignificante.

Mesmo assim, VM esquece que a OPA foi aprovada numa AG, por si presidida, e apresentada como estando apoiada num “estudo muito profundo, muito rigoroso e muito prudente”, com um valor indicativo de 240M e apoiada no lucro do 1º semestre, do Finibanco. Um cenário totalmente diferente dos 341M da compra final, assentes num prejuízo de 56M. Enquanto associado também estive presente nessa A.G. e sinto que fui enganado.

Justifica o desbragamento do elogio a TC com: “Para os historiadores, se ele tiver cometido um pecado mortal no fim, todo o bem que fez pode ficar sujo” ignorando  que as acusações que impendem sobre TC reportam a 2006 (luvas recebidas de José Guilherme) e  acompanham-no durante toda a sua presidência.

O franciscano vigário, branqueia a gestão de TC e obscurece os  “grandes resultados desastrosos” para o Montepio que dela resultaram.

A SEPARAÇÃO DO BANCO E DA MUTUALISTA FOI SEMPRE DESEJADA.

E VM contraria os entrevistadores quando estes referem que a separação foi imposta pelo BP, contrapondo: Mas já era vontade nossa, já há muito tempo… O Banco de Portugal não mandou. É ao contrário: é o Banco de Portugal que tem poder para nos dar isso”. Meu Deus. GRANDE LATA!!!!

Todos os passos dados pelo BP no caminho da separação, desde 2010, encontraram resistência. Primeiro resistiram à consolidação de contas do grupo, em 2011. A seguir resistiram, tenazmente, à separação dos corpos sociais, em 2012 (nas AGs. já mencionadas, no Coliseu, de revisão dos estatutos do banco), para que o banco não lhes saísse das mãos: TC continuou a presidir o CA, e VM continuou a presidir a MAG e o Conselho de Supervisão. Até que o BP acabou, em 2014, e com a auditoria forense em curso,  por os obrigar a escolher entre o banco e a mutualista.

Seguiu-se Félix Morgado e é pública a má convivência com TC e o epílogo final.

VM e TC alinham-se nesta narrativa para mostrarem que “estão ao leme”, e não a serem empurrados “borda fora”, pelo BP.

VM apresenta a “alegria” como a sua característica mais marcante e muitos lha reconhecem.

Complacentemente,  não o levam “muito a sério”  reconhecem-no como “malandreco” protagonista dum “poder suave”. Em mim, VM tem outro efeito, espontâneo e involuntário. Despoleta o dito popular: “A brincar, a brincar, o macaco………..…..”.

O franciscano vigário tem muito “saber de experiência feito” e é um mestre do disfarce e da desculpabilização das suas incoerências: “não fica nada para mim, vai tudo para os meus frades, para a Ordem”,  justificando os rendimentos milionários que retira do mutualismo, sugerindo que o roubo da caixa das esmolas fica santificado… se entregue à Ordem.

“O resultado final da vida de São Francisco foi criar mais uma ordem abastada e corrupta para fortalecer à hierarquia e facilitar a perseguição a todos que se sobressaíssem pelas virtudes morais ou pela liberdade de pensamento. Tendo em vista o carácter e os objectivos pessoais dele, é impossível imaginar consequência mais amargamente irónica.”
Bertrand Russell

Suspeito que o Papa Francisco mais facilmente se aconselha com Gil Vicente e Bertrand Russel que com o franciscano vigário do Montepio, Vitor Melícias.

Vigário: Espertalhão, finório (Priberam)

Ex-director adjunto do Montepio