Para compreendermos a importância do pensamento integral no que à pessoa humana diz respeito, e seguindo de perto o pensamento de Edgar Morin, particularmente a sua obra Pensar Global, que nos sugere a forma dialógica de pensar, numa unidade integral que se impõe e se exige. Na verdade, o ser humano deve ser visto como um todo, pois “o indivíduo e a sociedade são (…) totalmente inseparáveis e esta relação é complexa”.

O pensamento dominante parece querer fazer-nos pensar de forma dualógica ou (quase) antagónica no que à compreensão do ser humano diz respeito. Querer ter uma visão algo platónica do ser humano faz-nos recordar o dualismo antropológico – a divisão da pessoa entre corpo e alma – em que o corpo é mero tabernáculo da alma e a alma é tida como superior face ao corpo. Ter a compreensão do homem baseado neste dualismo antropológico é muito perigoso, pois impede a compreensão geral e global de toda natureza humana. Mais, esta visão é tão rudimentar e falsa que a torna altamente parcial e, com isso, o Homem fica envolvido por uma aura que o engana, que o impede de ver o mundo e a realidade tal como eles são, vivendo, deste modo, uma ilusória liberdade e dignidade. Para comprovar isto, basta ver o que determinadas ideologias podem fazer com a pessoa humana, como por exemplo o fez (e o faz, em algumas partes do globo) o comunismo que, pela doutrinação ou pela força implementa mecanismos de aniquilação do ser e do pensamento endógeno, fazendo uma espécie de reset cultural, onde tudo é questionável e onde o homem desaparece na sua individualidade.

Aqui está a questão: como pode o Homem sê-lo como individualidade? Como é que ele pode manifestar a sua individualidade na sociedade que o sustenta e o envolve? Quem é ele e que contributo pode ele dar à sociedade como ser individual, pensante, autónomo e potenciador de inovação para serviço do bem-comum?

Curioso que Edgar Morin é taxativo ao dizer que o Homem só se realiza em sociedade. É tal a conexão entre ambos que um e outro se supõem e implicam. O próprio o diz com sagacidade: “ao lado deste princípio egocêntrico de afirmação do eu, existe outro princípio complementar e absolutamente antagónico que é o princípio do nós. Este nós, não menos inato, surge desde o nascimento”.

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Esta compreensão da complexidade de que todos somos um só, de que somos um todo, não provém de um automatismo, mas de uma escolha ética. A globalização, como conceito e visão ideológica, não tornou o Homem mais unido, solidário e fraterno. Pegando no conceito da noosfera (1) de Teilhard de Chardin (teólogo e filósofo francês), o pensamento, o conhecimento e o saber alimentam o mundo das ideias e, alimentado, torna-se espaço privilegiado para a difusão dos valores éticos que podem (e devem) mudar e fazer valer as implicações da diversidade na unidade, reconhecendo que “a diversidade humana é um precioso património da sua unidade e a unidade humana é um bem inalienável da diversidade que nos caracteriza”. Na verdade, segundo reforça Edgar Morin, “cada ser humano deve ser reconhecido pelo outro”.

Nesta compreensão (ampla e plena) do Homem, é essencial que o ensino forme e eduque o ser humano para o seu autoconhecimento, compreendendo-se simultaneamente como valioso e frágil, como forte e carente. Nele existem todas as possibilidades. Existe o pior e o melhor, podendo-se exprimir “segundo as condições em que cada um se encontra”. Porém, alerta Edgar Morin que a falta deste autoconhecimento “é uma das maiores fontes de erro, de ilusões sobre nós mesmos e para as nossas vidas”. Por isso, “educar é enfrentar a vida”. Edgar Morin conclui com audácia que o mais importante é “compreender o outro e compreender-se a si mesmo”, aceitando a sua complexidade e contexto. Portanto, o humanismo que Edgar Morin nos propõe é uma inefável e assertiva lição de inclusão e de esperança.

E é precisamente nesta linha de pensamento que surge o desafio (talvez inadiável) tantas vezes lançado pelo Papa Francisco e que, em verdade, não se coíbe nem se inibe de reafirmar, ou seja, de construir uma educação global de genuínos afetos. Diz ele: “todos somos chamados a construir uma “aldeia global da educação”, onde, quem ali mora, gera uma rede de relações humanas, que são o melhor remédio contra todas as formas de discriminação e isolamento. Nesta aldeia, a educação e a arte se encontram através da linguagem da música e da poesia, da pintura e da escultura, do teatro e do cinema”. Todas essas expressões da criatividade humana podem ser “canais” de fraternidade e paz entre os povos da família humana”.

(1) Noosfera entende-se como esfera do pensamento humano. Assim como há a atmosfera, também
existe o mundo das ideias, formado por produtos culturais, pelo espírito, linguagens, teorias e
conhecimentos
(2) Bibliografia: Francisco, P. (13 de dezembro de 2019). Obtido de Vatican News: https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2019-12/papa-francisco-concerto-natal.html; Mendonça, J. T. (2 de julho de 2021). Obtido de Jornal Expresso: https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2540/html/revista-e/que-coisa-sao-as-nuvens/edgar-morin; Morin, E. (2023). Pensar Global, o Homem e o seu Universo. Lisboa: Edições Piaget.