Muitos já viram o documentário O Dilema das Redes Sociais, onde vários ex-funcionários da Google, Facebook e outras empresas denunciam como estamos metidos num grande sarilho. Explicam eles que estas gigantescas multinacionais utilizam a inteligência artificial e algoritmos sofisticados para enriquecerem, a um ritmo nunca visto, lucrando com as emoções e as opiniões expressas pelos utilizadores nas suas concorridas plataformas digitais.

Sabendo que não resistimos aos inúmeros estímulos de curto prazo provindos dos milhares de “amigos” que temos na Internet, estes colossos da era digital criaram um modelo de negócio que se alimenta da nossa atenção. Compreendendo o que rege a atenção de cada utilizador, é possível suscitar cada vez mais atenção da sua parte, para lhe ir fornecendo informação com a qual ele se identifique (as pessoas adoram ter razão), culminando este processo numa gradual influência das respetivas atitudes e comportamentos de consumo.

Contrariamente ao que se possa pensar, o negócio destas multinacionais não é vender dados pessoais dos utilizadores. Isso constituiria um enorme desperdício, sendo muito mais rentável aproveitarem tais dados para construírem modelos preditivos dos respetivos comportamentos. Assim, elas conseguem identificar hábitos de consumo perfeitamente segmentados, o que lhes permite leiloar, ininterruptamente, conhecimentos de marketing que são preciosos para os anunciantes seus clientes.

Entretanto, nos últimos anos, percebeu-se que os consumidores são, também, potenciais eleitores. Afinal, o ato de votar corresponde a mais um comportamento de consumo. Assim, os segmentos de mercado publicitário, identificados nas plataformas digitais, começaram a ser arrematados não só por empresas na mira do lucro, mas, também, por partidos e candidatos políticos à procura de bons resultados eleitorais.

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Claro que este modelo de negócio das redes sociais é eticamente reprovável, empregando a inteligência artificial e sofisticados algoritmos para apurar e distribuir conteúdos que são tendenciosos e enviesados. Os conteúdos exibidos exacerbam emoções, acentuam convicções, alteram expectativas e condicionam comportamentos. Paulatinamente, diferentes realidades são solitariamente assimiladas por cada utilizador, obscurecendo as leis de causa e efeito que seriam evidentes num referencial mediático comum e objetivo.

No referido documentário, é proposto que imaginemos o que aconteceria se a Wikipédia nos fornecesse definições e realidades alternativas. Ora, é exatamente isso que fazem os algoritmos PageRank (Google) e EdgeRank (Facebook), ao calcularem realidades “perfeitas” para cada um dos seus utilizadores. Nestas plataformas digitais, cada pessoa tem acesso aos seus próprios “factos” e a uma visão inflacionada da realidade. Assim, vão-se acentuando, artificialmente, as diferenças entre “nós e os outros”. São múltiplas realidades individuais que contribuem para a radicalização de “tribos” cada vez mais incompatíveis. Num extremar de posições que prejudica o desenvolvimento humano, vão surgindo “fake news“, polarizações políticas, populismos, teorias da conspiração, etc.

O efeito bombástico e incendiário das notícias falsas, que se espalham muito mais rapidamente do que as verdadeiras, mostra bem a vantagem publicitária em provocar emoções extremas e evocar medos profundos. Como refere Guillaume Chaslot, um cientista da computação ex-colaborador da Google, “a polarização política é uma forma muito eficiente de manter as pessoas online”! Por exemplo, nos EUA vão-se extremando as posições relativas das “tribos” republicana e democrática. Por cá, certas pessoas que dizem “chega”, apelidando os outros indivíduos de amorfos e seguidistas, são, por sua vez, rotuladas pelos demais de “fascistas”, “nazis”, etc. Claro que tais visões exageradas, quer de uns, quer de outros, representam uma séria ameaça para a democracia liberal, sendo que este perigoso modelo de negócio das redes sociais deverá influenciar futuros resultados eleitorais…

Como refere, no mesmo documentário, a cientista de dados Cathy O’Neill, os algoritmos não são números objetivos, são opiniões firmadas no código informático. São, afinal, entidades políticas… Ora, a matemática é simplesmente demasiado poderosa para que deixemos tais entidades representarem realidades sedutoras que nos vão dando sempre razão… Pelo contrário, devemos usar o rigor matemático, sim, para autenticar a verdadeira realidade. Felizmente, existem agora meios que permitem fazer isto mesmo. Caso estes meios não sejam adotados, a situação será cada vez mais grave, até porque despontam novas tecnologias (e.g.  vídeos “deep fake“) capazes de invalidar a velha máxima “ver para crer”…

Assim, há que recorrer à inovação tecnológica que a revista The Economist batizou como “Máquina da Verdade”. Esta tecnologia é baseada em técnicas avançadas de criptografia e designa-se “Blockchain”. Este é o verdadeiro “polígrafo” com que iremos atestar a autenticidade dos dados subjacentes a muitas realidades quantificáveis, bem como distribuir provas irrefutáveis de confiança, pelas próprias pessoas, sem necessidade de recorrer a quaisquer intermediários. Assim haja vontade política para que tal aconteça…

É certo que a confiança anda nas ruas da amargura, mas, não podemos perder a esperança. Se é verdade que o problema das notícias falsas e da desconfiança foi agravado pelas tecnologias digitais, também será com o poder da tecnologia que ele irá ser resolvido.