O “Plano de Vitória”, anunciado pelo presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, a 16 de outubro de 2024, remete para o fosso que separa ainda a guerra da paz. Se, entre março e maio de 2022, havia ainda uma hipótese — embora ténue — de negociação, nada, de momento, aponta para qualquer resolução. O Plano realça, por conseguinte, as incompatibilidades entre todas as partes interessadas.
O impasse deriva principalmente da posição tomada pela Rússia, em setembro de 2022, quando anexou unilateralmente os territórios de Zaporija, Kherson, Luhansk e Donetsk a sueste da Ucrânia. Se a invasão de larga escala desse ano, seguido do massacre de Bucha, já dificultara as negociações, a decisão de integrar aqueles territórios como parte da federação russa aumentou drasticamente os custos de qualquer cedência futura: todas as conquistas passavam a assumir o mesmo estatuto legal do que as outras 83 províncias da Rússia. Kyiv ripostou pouco depois, em novembro desse ano, com um plano de paz centrado em dez pontos, dois dos quais exigiam a devolução dessas regiões e a retirada de tropas inimigas. A decisão russa e a resposta esperada da Ucrânia rompiam com as poucas pontes que restavam para uma renegociação futura.
Permanecia mesmo assim uma hipótese. Na sequência dos encontros bilaterais entre as autoridades russas e ucranianas, entre março e maio de 2022, Kyiv colocara a neutralidade em cima da mesa, mas apenas se obtivesse garantias de segurança duradouras. O Plano reflete precisamente a tentativa renovada de alcançar essa meta: por via de uma aliança ou um pacto militar. Perante a violação grosseira do Memorando de Budapeste (assinado em 1994), aquando da primeira invasão russa, em 2014, Kyiv buscava – e procura ainda – segurança para dissuadir quaisquer agressões futuras. Contudo, a relutância norte-americana em envolver-se diretamente em conflitos armados externos, sobretudo europeus, em conjunto com a incerteza dos seus aliados transatlânticos, impede a oferta de garantias durante o decorrer da guerra. A NATO salienta também a inclusão “irreversível” da Ucrânia, mas apenas no futuro, após o fim das hostilidades. Kyiv não detém, de facto, uma forte base de apoio militar ou de dissuasão para tentar negociar em maior igualdade com Moscovo.
Para além das incompatibilidades dos objetivos e da busca por garantias, Zelensky procurou ainda cativar os seus parceiros transatlânticos através do ponto quatro do seu Plano. Referiu-se a recursos materiais substanciais, um fator aliciante para cativar os estados europeus e, principalmente, Washington na eventualidade de Trump vencer as eleições presidenciais no início de novembro. Essa sinalização redobrada assumiu uma urgência especial face à confiança crescente da Rússia. Ao contrário do que a Ucrânia e o espaço transatlântico pretendiam, Moscovo tem contornado as sanções e, se isso não bastasse, obtido apoio político. A cimeira BRICS, organizada em Kazan neste final de outubro, representou uma vitória diplomática. A Rússia foi a anfitriã dos dois países mais populosos do mundo, Índia e China, cujos líderes aceitaram estar presentes naquele encontro, apesar de Moscovo não controlar a totalidade do seu território – tropas ucranianas continuam a combater em Kursk (a cerca de 1000km de Kazan). Recorde-se também que, há pouco mais de um ano, Moscovo foi vítima de uma alegada tentativa de golpe de estado por parte do grupo Wagner e provocou a morte, no início de 2024, de Alexei Navalny, a figura de oposição russa mais carismática do século XXI. Não obstante a todos esses acontecimentos recentes ou em curso, em conjunto com a agressão despudorada e continuada a um país vizinho, 36 líderes políticos estiveram presentes em Kazan.
Os caminhos para uma negociação estão, por agora, encerrados. Assim, e na ausência de garantias de segurança, a Ucrânia está obrigada a prolongar a guerra perante uma Rússia em ascendência. O impasse político persiste.