Sabemos hoje, muitos de nós, que vivemos num mundo onde as coisas acontecem depressa. De forma excitante, para uns, ou vertiginosa, para outros, os acontecimentos locais passaram, cada vez mais, a ganhar uma dimensão mundial, atingindo territórios que não tinham qualquer tipo de relação até então. Portanto, temos um novo espaço e um novo tempo, que se gerem em encruzilhadas onde as culturas e as sociedades se afirmam económica, política e socialmente. Ainda assim, convém tratar o processo de globalização num sentido mais abrangente e, em simultâneo, mais esclarecido:
- Em primeiro lugar, quando nos referimos ao fenómeno da globalização, não podemos interpretá-lo como sendo exclusivo da atualidade. O mundo já passou por algumas vagas globalizantes antes desta que atravessamos. Uma delas foi claramente as viagens marítimas entre os séculos XV e XVII, onde várias nações encetaram e realizaram expedições a terras que se lhes afiguravam desconhecidas ou perigosas. À parte todas as controvérsias acerca da época colonial, neste marcante momento da História foram ultrapassadas algumas distâncias culturais e regionais, havendo um grassar de determinados princípios, valores e ideologias. Por outro lado, mais tarde, já nos séculos XVIII e XIX, a criação de determinados engenhos, como o telégrafo, o telefone, a ferrovia e a lâmpada permitiram que as comunicações se intensificassem, gerando um maior número de contactos num menor período. Assim, a globalização não é um processo novo, tem influências positivas e negativas e está geralmente associada a duas ideias: aproximação entre grupos e mudança nos panoramas de vida, ambas tendo como direção uma confluência nos tipos de consumo (a diversos níveis).
- Não obstante, se estamos perante um acontecimento com precedentes, as suas repercussões têm-se revelado diferentes das de outrora. Nunca foi tão fácil fazer chegar uma mensagem a outra pessoa ou irmos nós próprios a um local com uma distância considerável do nosso ponto de origem. Mas, mais do que isso, nunca a questão das identidades culturais e sociais protagonizou tantas fragmentações e interpretações originais. Se a globalização implica alterações nas características de ser, de estar e de pensar dos indivíduos, essas alterações são visíveis no que vários cientistas encaram como sendo processos de hibridismo entre culturas diferentes e de glocalização. Por outras palavras, não só o local se mundializou como o global atingiu novas dimensões num contexto local: grupos étnicos têm-se emancipado e contrariado tendências de uma normalização de certos consumos e de um rumo a um único futuro; e fazem-no de formas distintas, como sejam a proteção e a valorização das suas tradições ou a prática de novas artes – por exemplo as urbanas, onde têm lugar o parkour, o graffiti ou o skate – que pretendem ser técnicas de resistência. Assim, não é errado tendermos a falar em globalizações, em vez de uma única globalização, já que a diferença tem ganhado identidades plurais.
- E é aqui que começa o necessário processo de debate e reflexão sociológicos que devemos levar a cabo sobre o fenómeno da globalização. A começar pela discussão sobre as desigualdades que são produzidas. Nem todos os países se estão a globalizar da mesma maneira e ao mesmo tempo. Na verdade, também não temos um só espaço e um só tempo, mas espaços e tempos diversificados que se desenrolam com instruções e recursos específicos. Julgo que esta é, por vezes, uma questão da qual nos esquecemos. A criança europeia, a criança africana, a criança americana e a criança asiática não comem na mesma proporção, não têm os mesmos brinquedos nem vivem (com) a família do mesmo modo. Uns terão oportunidade na escolha da sua refeição ou na seleção dos jogos e terão amigos com quem o fazer; para outros, as noções de entretenimento e de preferência(s) praticamente não existem ou são, então, muito precárias. Mas isto não se verifica apenas no grau económico e nos estilos de vida. As globalizações assumem as suas disparidades na Educação, na Saúde, no Trabalho, na Proteção Social, no Direito. Nunca nos podemos esquecer que deter o mesmo rendimento per capita não significa necessariamente ter a mesma (condição de) vida.
- Outro ponto relevante a selecionar é que as dissemelhanças e os riscos que aquelas configuram hoje são objeto de reflexão abundante do passado. A tentativa passa por identificar erros anteriores para os evitar e focar em soluções de problemas contemporâneos. Por isso, cabe-nos colocar as seguintes questões: no que estamos a pensar? Estamos a aprender com o passado? O que estamos a aprender? Como vemos a aplicação dessas aprendizagens? Não são perguntas vagas, são essenciais e necessários momentos de pausa da nossa frenética corrida diária e de repensamento nos nossos projetos de vida e do mundo que queremos todos os dias e para lá de nós.
- Portanto, o último ponto passa pelo tratamento do futuro. E é, a par da reflexão relativamente ao passado, onde temos de investir uma forte dose de contribuições atitudinais e comportamentais. Temos de ler mais, escrever mais, planear mais para as próximas gerações, não viabilizando somente previsões catastrofistas. Temos de nos informar e contribuir para outros num esforço de empatia e de sinceridade e não esquecer que por aqui também passa a globalização – antes de tudo, de todas as suas consequências e nuances, a intenção da globalização sempre foi uma proclamação da descoberta e do encontro entre povos. Ou seja, uma tentativa de conhecimento e de humanismo.