Há coisas que causam asco. Nojo. A que qualquer socialista ou outra espécie de estatista, honesto e bem formado, tem repugnância instintiva. Pior que a peste, penúria e prepotência é o lucro. Lucro que, na queixa do Amor na peça1 de Robert Wilson (fl. 1572—1600), é paixão que cega para tudo o que é verdadeiramente importante:

“For Lucre men come from Italy, Barbary, Turkey,
From Jewry, nay the pagan himself
Endangers his body to gape for her pelf.
They forsake mother, prince, country, religion, kith, and kin,
Nay, men care not what they forsake, so Lady Lucre they win;
That we poor ladies may sigh to see our states thus turned and tossed,
And worse and worse is like to be, where Lucre rules the roost.”

Para evitar uma desgraça destas, que o lucro reine soberano sobre a nossa carne e espírito, é necessária vigilância constante. É o que fazem certas vozes iliberais, permanente e incansavelmente, para a proteção dos nossos bons costumes. Como? Através de educação moral das populações, como quando o sr. Secretário-geral-adjunto do PS nos admoesta que “não se deve ter uma perspetiva lucrativa da exploração do negócio da TAP” ou o sr. Presidente do PSD “propõe lucro zero para a banca em 2020 e 2021”. Mas como só com moralismos não se vai lá, também através de carga fiscal apropriada que retire o prazer ao vício.

E que vício é o lucro? Lucro é, contabilisticamente, a diferença entre o que é faturado e o custo do que é faturado. E o que são custos? Contabilisticamente, são a remuneração de todos os fatores de produção que contribuíram para a produção do bem ou serviço que é vendido: salários de colaboradores, fornecimentos de fornecedores e juros a bancos. Custos são então a remuneração de todos os fatores de produção? Não, a remuneração do capital próprio necessário para uma empresa funcionar, não é considerada um custo. É um lucro.

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Se uma empresa não der lucro, os fornecedores de um fator de produção essencial para a sua constituição, funcionamento e crescimento não podem ser remunerados. Será justo que pessoas que poupam uma vida inteira e aplicam as suas poupanças numa empresa que cria empregos e fornece bens e serviços desejados pela comunidade não sejam remuneradas? Se isso acontecer, para quê poupar e investir, criar emprego e dar satisfação ao consumidor?

Para uma empresa ter lucro precisa vender a um preço mais alto que os seus custos contabilísticos. Mas numa sociedade livre – livre nas escolhas individuais, livre de regulamentação administrativa e livre de monopólios – ninguém compra se achar que o preço é elevado demais, que não compensa os benefícios que se podem ter desse bem ou serviço. Quem aceita pagar um preço acima dos custos fá-lo porque acha justo remunerar não só os fornecedores de matérias primas e produtos intermédios e trabalhadores, mas também aquelas pessoas que de algum modo se sacrificaram para que a empresa possa ter o capital próprio necessário para funcionar: os acionistas.

É quando os consumidores acham que o produto ou serviço não vale os custos de produção que a empresa não dá lucro: é então altura dela se tornar mais eficiente (diminuindo os custos), mudar de produto ou de mercado, receber subsídios ou… fechar.

E vai ter que fechar porque uma empresa que não dê lucro não gera excedentes – para isso teria de vender acima dos custos de produção. E sem excedentes próprios, estará sempre dependente de fundos externos – capital próprio, dívida ou subsídios – para investir, isto é, para gastar acima dos custos de produção. Sem eles, não pode dar crédito a clientes, aumentar stocks, comprar novos equipamentos, fazer I&D, conquistar novos mercados, ter políticas de responsabilidade social, etc. Uma empresa que não dê lucro nunca poderá endividar-se. Se não há excedentes, de onde viria o dinheiro para reembolsar o principal? 2 Como as empresas têm de fazer tudo isto, uma empresa que não dê lucro é uma fábrica de défices anuais3.

Quando as empresas deixarem de poder gerar lucros também deixarão de funcionar, de produzir e de empregar. Todas? Não, há uma alternativa a produzir lucro: é receber subsídios do Estado. Isto é: dinheiro dos impostos. E a beleza nos subsídios à TAP, ou a qualquer outra empresa, está aqui: enquanto o lucro sai do bolso de um consumidor satisfeito, os subsídios saem do bolso de todos os contribuintes, mesmo os insatisfeitos, mesmo os que não usam os produtos da empresa subsidiada. Como é possível que eles deixem? Cortando-lhe as asas: um contribuinte é um animal a quem o nosso governo corta as asas à nascença, um procedimento cruel contra o qual o PAN nunca protestou.

A nossa pergunta a demagogias e populismos baratos de “empresas sem perspetiva lucrativa” deve ser: e qual vai ser o tamanho do buraco que os contribuintes vão ter de tapar todos os anos?

Us avtores não segvem a graphya do nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nein a do antygo. Escreuem coumu qverem & lhes apetece.

[1] “The Three Ladies of London”, 1584.
[2] Um pequeno número de empresas, nas quais não estão incluídas transportadoras aéreas, tem conseguido endividar-se com dívida perpétua, que em princípio não implica a devolução do principal, apenas o pagamento do juro periódico.
[3] Pormenor técnico: Existem custos que não implicam saída de dinheiro, como as amortizações. Mas não chegam para financiar o investimento necessário para o crescimento da empresa.