No mundo frenético em que vivemos, no qual o que hoje é tomado por garantido amanhã poderá revelar-se uma bruma de incertezas, devemos incentivar à contemplação de tudo o que nos rodeia. Só de cabeça levantada, olhos bem abertos, é que poderemos ter uma perspetiva mais fidedigna do que nos rodeia – e só assim poderemos agir em conformidade.
Recentemente, com maior ênfase nos meios académicos, muito se tem falado no conceito de One Health. Este interesse em algo que é alvo de discussão desde tempos não tão recentes foi reacendido durante e após a pandemia COVID-19, cuja origem se teoriza que tenha sido nos animais. Paralelamente, é cada vez mais evidente o aquecimento – ou como o apelidou o secretário-geral da ONU, António Guterres, a ebulição – global. De que trata, afinal, este conceito?
De forma (muito) abreviada, One Health caracteriza o mundo como um lugar em que pessoas, animais e ecossistemas se devem relacionar num perfeito estado de equilíbrio. Significa isto que devemos encarar as nossas vidas e os empreendimentos que a ela são subjacentes sempre tendo em conta a saúde de todos os seres. Para tal, é inevitável que o ambiente e os diferentes, e frágeis, ecossistemas em que nos inserimos sejam alvo de um incessante esforço de preservação.
Pois bem, isto é algo que, até ao momento, pouco temos posto em prática enquanto habitantes e decisores do rumo do nosso planeta.
Exemplo gritante disso, e ao qual será impossível não estarmos atentos, é a constante desflorestação de uma das maiores zonas verdes no globo terrestre: a floresta Amazónica.
Mas este está longe, mesmo muito distante, de ser o único caso. Poderia igualmente citar o caso da selva da ilha Bornéu, onde os orangotangos são, ano após ano, forçados a escolher uma nova paragem para o desenrolar da sua vida, empurrados até aos limites do seu ancestral habitat. Um pequeno problema à primeira vista, mas com potencial catastrófico: torna-se impossível resistirem ao empurrão que os aproxima irremediavelmente da civilização. Como consequência deste convívio próximo, estamos sujeitos às infames – mas ainda pouco conhecidas – zoonoses. As doenças que são passíveis de nos ser transmitidas pelos animais. Este desalojamento in extremis de animais do seu habitat natural abre uma brecha ainda maior na já de si vulnerável saúde pública.
Adicionalmente, foi publicada uma declaração pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF) que aponta para uma redução na população de leões africanos para metade, só nos últimos 25 anos. Metade! Estes números, que só podem ser tomados com uma grande consternação, devem-se sobretudo à maior pressão civilizacional, ao tráfico ilegal de animais e à crescente competição com os humanos pelas suas presas. Um dos maiores símbolos do continente africano, se não mesmo o maior, poderá, caso não despertemos a tempo, estar à beira do fim da sua existência.
Por outro lado, é verdade que, ainda que insuficiente até ao momento, a sensibilização sobre esta matéria é cada vez maior. No entanto, há estratégias e planos de ação que devem dar continuidade a este pensamento.
Como em tudo na vida, a educação assume um papel de destaque. Educar as novas gerações sobre como se devem relacionar com o meio que os rodeia deverá ser um pilar transversal numa correta e completa formação de crianças e jovens.
Outras ações, que ilustram na perfeição a sintonia que deverá existir entre os três intervenientes desta tríade, são, por exemplo, a proteção e reintrodução de certas espécies que, com o seu comportamento natural e instintivo, ajudarão a evitar catástrofes naturais que nos assolam de forma constante. É o caso dos incêndios. Detalhando um pouco mais, a utilização de herbívoros em zonas de densa vegetação, possuindo uma elevada capacidade de desbastamento, reduzirá significativamente a probabilidade destes devastadores fenómenos.
Em suma, surge a necessidade de uma recuperação e renaturalização de ecossistemas como catalisadores para um estado de maior equilíbrio.
Para que as futuras gerações possam desfrutar da sua existência na plenitude, em perfeita sintonia com o seu entorno e dotados do conhecimento que lhes permita assegurar a sua manutenção no futuro, é premente fazermos desta abordagem uma filosofia mandatória do nosso dia a dia. Não é a nossa saúde, a dos animais ou a dos ecossistemas que está em cheque, é a de todos – é uma só saúde.