É comum ouvir dizer que os cães são o retrato fiel do seu dono, seja através de atributos físicos ou até mesmo na reprodução de certos comportamentos.

Muitos dos leitores já terão certamente testemunhado as semelhanças inegáveis entre uma pessoa e o seu cão. Numa era progressivamente digital, na qual somos bombardeados com informação, imagens e vídeos, não é de estranhar que esta situação – que tanta curiosidade desperta – seja frequentemente abordada em vários meios, com especial destaque para as redes sociais.

Mas existirá algum fundo de verdade nesta afirmação? O que é que a Ciência nos diz sobre este inusitado fenómeno?

O cão é um animal com o qual partilhamos uma ligação extremamente emocional e vinculativa. São anos extraordinários de convívio que deixam uma marca indelével na nossa vida. Apesar de nos parecermos mutuamente destinados, os cães não têm a capacidade mágica de, subitamente, desenvolver características que os tornariam semelhantes a nós. Este acontecimento é influenciado por nós, e começa logo no primeiro dia de convivência.

Quando chega o momento de escolhermos um cão, temos uma certa disposição, de forma subconsciente, para selecionar aquele que tem as características que mais apreciamos. Muitas vezes, aquelas que nós próprios possuímos.

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No que concerne a semelhanças físicas, pelo menos de forma relativa, mas suficientemente percetível aos olhos dos outros, temos uma inclinação para escolher cães que revelem uma maior capacidade de corresponder ao nosso estilo de vida. Isto significa que uma pessoa que valorize um estilo de vida mais ativo terá uma maior propensão para eleger uma raça com maior predisposição para o exercício físico. Por oposição, alguém com uma vida mais sedentária escolherá um cão cujas características físicas se enquadrem melhor num ambiente caseiro. No entanto, esta semelhança não é necessariamente positiva. De facto, poderá haver consequências negativas para a saúde dos cães se eles se parecerem demasiado com os seus donos. Uma pessoa que não pratique qualquer tipo de exercício físico e que, por isso, limite a atividade dos seus cães apenas a passeios higiénicos, está a potenciar o risco de obesidades nestes animais – o que pode levar a problemas de saúde, como doenças cardíacas e diabetes.

Apesar de as parecenças físicas se limitarem a cães de raça conhecida – devido, maioritariamente, à enorme variabilidade física dos cães rafeiros –, o mesmo não acontece quando olhamos para as semelhanças de personalidade. Estas vão amadurecendo ao longo do tempo e são fruto da convivência entre dono e cão. Um estudo de 2019, publicado na revista Psychology Today, mostrou que os cães são capazes de reconhecer expressões faciais que transparecem emoções positivas ou negativas, tais como a alegria e a tristeza. Neste mesmo estudo, quando os cães olhavam para pessoas com expressões zangadas exibiam com maior frequência comportamentos de apaziguamento, sugerindo que esta elevada sensibilidade que detêm poderá ter sido aprimorada ao longo do tempo para facilitar na sua interação connosco.

Para além disso, os cães são animais extremamente suscetíveis às nossas variações de humor. Se estamos mais ansiosos em determinado dia, eles conseguem inequivocamente detetar esse estado, sendo também influenciados por esse estado de ansiedade. Isto é igualmente válido para a nossa forma de ser, já que somos nós a referência padrão que possuem, dependendo, em menor ou maior medida, da nossa personalidade e do nosso estado emocional.

De acordo com um estudo publicado no jornal Animal Cognition, quanto mais fortes forem os laços que unem donos e cães, maior é a probabilidade de que o cão adote traços de personalidade do dono.

A relação e ligação que temos com os cães transcende amplamente a mera convivência. Embora as semelhanças entre ambos possam ter várias explicações, incluindo a seleção artificial e a preferência pessoal, é importante ter presente que os cães são animais com características e comportamentos específicos. Por mais engraçada que a situação nos possa parecer, estas parecenças não deverão ser encaradas como algo a incentivar, mas sim como uma excelente oportunidade para que consigamos ver com maior claridade as necessidades naturais dos nossos fiéis amigos.