São tantas as vezes que eu sou questionado sobre o que é rezar ou como é que se deve rezar. Antes de tudo, rezar não é um acto mágico ou abstrato. Antes, é a expressão e a visibilidade de uma relação íntima e pessoal. Rezar é, por assim dizer, a revelação do amar mais profundo e mais integral. Por isso, só reza quem ama e quem tem, vive e se alimenta nesta relação íntima que se gera entre Nosso Senhor e cada um de nós.

Muito relevante a este propósito é o facto de que esta mesmíssima relação acontece não por nossa iniciativa, mas da iniciativa de Deus. Deus Nosso Senhor ama-nos tanto que não consegue não amar, não consegue ver-nos fora dele, perdidos e sós, e imbuídos na cegueira do egoísmo e da violência. Ele, sempre Ele, toma a iniciativa de vir ao nosso encontro.

Para melhor percebermos isto, olhemos para a famosa imagem de Miguel Ângelo na Capela Sistina (Cidade do Vaticano). Aqui vemos um Deus de braço e mão estendida, ansioso por tocar na sua obra, no ser que Ele mesmo criou, esse mesmo a quem Ele quer envolver num abraço eterno de amor. Por seu turno, vemos esta criatura, o homem, numa postura relaxada e indiferente, de braço esticado, mas com os dedos semi-esticados. Falta a parte dele: basta só esticar para tocar em Nosso Senhor, seu criador e fonte de toda a vida e sentido. Mas não o faz.

Sim, nós não o fazemos. Quantas vezes pensamos que nos bastamos a nós mesmos? Quantas vezes pensamos que só em mim estão as soluções e as repostas das minhas inquietações? Quantas vezes não olhamos para Nosso Senhor com desdém e com indiferença e, nessa indiferença, desprezamos o amor e o dom da vida que Ele tem para nós? Não queremos esse tesouro, não é? Talvez seja bem mais aliciante aquilo que é mais imediato e palpável, aquilo que nos faz sentir superiores ou que nos torna sinal de bajulação e de honrarias. Talvez seja isso. Ou talvez ainda não tomemos verdadeiramente consciência de que, ainda, não tenhamos tido este encontro, este encontro entre mim e Ele. E isto ajuda a explicar o porquê de ser difícil rezar.

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A nossa oração é tanta vez mais uma manifestação do nosso querer do que propriamente do que nós precisamos. Querer orbita sempre na superficialidade da vida. É próprio de quem não tem vida de silêncio, vida interior ou que não fez o seu caminho em ordem ao autoconhecimento. Vejamos este exemplo: quando perguntamos o que queremos, a resposta é imediata, sai logo. No entanto, quando perguntamos sobre o que nós realmente precisamos, isto demora mais tempo, levamos mais tempo para responder. Mas porquê? Porque o precisar é resultado de quem já iniciou o seu processo de autoconhecimento e quer ter uma vida verdadeiramente espiritual. Portanto, o que precisamos nem sempre (ou nunca) é o que queremos. E Deus nunca nos dará o que queremos; Ele dará sempre o que precisamos.

Então rezar é descer até ao coração e, descendo, vou descobrindo quem realmente sou e o que sou. Essa descoberta revela não só as minhas carências, como também as minhas virtudes. Este trabalho é o ponto de partida para o autoconhecimento e que, através da virtude da humildade, faz com que aconteça o maior milagre da vida, isto é, que Deus seja Deus na minha vida e no meu coração. Por outras palavras, Ele é o único que torna a (minha/nossa) vida numa vida de luz, de sentido e de significado. Deixo aqui uma curiosidade. Há quem diga que Deus Nosso Senhor tem uma ‘fraqueza’. Quem reza com humildade e de forma perseverante, Deus não consegue não ouvir, não deixa de não ajudar, não deixa de não dar o que precisamos, pois só Ele sabe o que real e verdadeiramente precisamos.

Por isso, na pedagogia da oração, o silêncio reveste-se de particular importância. Ele que brota não da solidão, mas da solitude. Mais, a solidão, tal como a sede ou a fome, atormenta-nos. Porém, se ela for uma solidão habitada, suscitar-nos-á a necessidade de estarmos fisicamente a sós, apenas eu com os meus eus, de saber ouvir a voz interior e de escutar atentamente a voz de Nosso Senhor. Sagazmente, D. Erik Varden (monge trapista e bispo norueguês), numa entrevista ao Diário do Minho (24/4/2023, Braga), assevera que lhe parece que “a solidão é aquele ambiente, aquele contexto no qual é possível esta recordação de mim mesmo, que explicita a minha identidade, a minha personalidade e me torna disponível a um encontro pessoal”.

Como é difícil fazer silêncio e escutar. O mundo contemporâneo perdeu o primado da interioridade. Todavia, D. José Cordeiro (Arcebispo de Braga), é muito assertivo ao dizer que “a interioridade é a força que faz despertar a esperança e assumir a responsabilidade de estar à altura dos desafios da vida. O futuro está na interioridade e sem memória não há esperança” (Varden, 2024, p. 7). É somente o silêncio que conduz ao recolhimento, à interiorização e à oração interior. Que saibamos estabelecer para cada um de nós este desafio de iniciarmos o processo de silenciamento. Por outras palavras, de iniciar a viagem de regresso ao coração, o lugar onde eu sou eu, sem máscaras, sem filtros, sem maquilhagens. Aí, e somente aí, damos início ao processo transformador das nossas vidas. Pois, do autoconhecimento nasce o encontro comigo mesmo e, mais importante, com Nosso Senhor.

É simplesmente aqui, neste encontro, neste processo transformador que eu percebo que o sentido último da vida está em ser vida para mim mesmo e ser vida na vida de alguém. D. Erik Varden resume tudo isto na perfeição. Diz ele: “Quero ser alguém capaz de ser amigo, capaz de oferecer amizade e capaz de receber amizade, e então o encontro que se seguirá é a graça de qualquer encontro. Porque um encontro verdadeiro é sempre uma dádiva. Mas precisamos de nos preparar para receber esse presente” (In., Diário do Minho, 24/4/2023, Braga).

Ouse dizer a si mesmo: hoje é o dia, hoje é o passo que vou dar para este silenciamento, para viver a minha vida na união com Nosso Senhor, que possa viver a vida pela melodia da oração e que dela eu possa viver a minha vida como uma solidão habitada pela memória, pela gratidão e pela graça divina.

Deixo, como nota final, a sugestão de ouvirem o podcast “E se falássemos de Fé” , na certeza que poderá ajudar muito na compreensão desta temática.