We need to move past old, binary debates about enlargement.
This is not a question of deepening integration or widening the Union.
We can and we must do both.
Ursula Von der Leyen, September 2023

As próximas eleições europeias de 9 de Junho não são apenas mais umas eleições. São provavelmente as mais relevantes dos últimos anos, na medida em que os eleitos para os próximos 5 anos serão chamados a pronunciar-se sobre questões determinantes para o futuro, as quais podem transformar a União Europeia de forma profunda e duradora. E com isto não estou a gritar “lobo” levianamente. Desta vez, o “lobo” está mesmo ali à espreita, a salivar, pronto para um salto de gigante. E como todos os “saltos” europeus, este acontece sempre a seguir a vários passos pequenos, mas firmes, que determinam o caminho, tornando-o quase irreversível.

O salto de que falo, que está inscrito na agenda para os próximos anos, vem a pretexto do futuro alargamento da União. Neste momento há vários países candidatos (9+1) à porta da União, em fila de espera. Estão em momentos diferentes do seu processo de adesão e não entrarão todos, nem ao mesmo tempo. Mas quando acontecer, e há vontade que seja mais cedo do que tarde, esse futuro alargamento representa uma mudança estrutural na composição da União, com as suas fronteiras a crescerem – e muito! – para Este e Sudeste. Mas as consequências não se ficam por aí. Com ele virá a discussão de um muito provável “aprofundamento” institucional, por alguns muito ansiado, por outros temido, em nome da governabilidade.

Vários documentos, institucionais ou não, têm sido produzidos no sentido de ponderar se as instituições e os processos que temos, e que estão consagrados nos Tratados, servirão uma União alargada e sem colocar em causa o seu adequado funcionamento.

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Um desses documentos é o paper Sailing on High Seas: Reforming and Enlarging the EU for the 21st Century, no qual um grupo de especialistas franco-alemães apresenta uma série de propostas para a reforma da UE no pós-alargamento. Um dos pressupostos dos autores é o de que as instituições actuais carecem de agilidade e são penalizadas pela excessiva complexidade e pela abundância de intervenientes.

Das propostas feitas no sentido de tornar a União Europeia mais ágil e o processo de decisão mais célere, destacam-se desde logo o fim do voto por unanimidade no Conselho em todas as matérias, substituído por maioria qualificada (QMV); um Parlamento Europeu com menos deputados e uma Comissão Europeia também mais pequena, acabando com a regra de 1 Comissário por Estado Membro; o reforço do orçamento Europeu com a criação de recursos próprios e uma clarificação das competências da União, com o reforço das disposições relativas a situações de crise. Este relatório adianta ainda a possibilidade de, sem unanimidade quanto às reformas necessárias e sem a revisão dos Tratados, os Estados que assim o entendam poderem avançar no sentido de uma maior integração. Seria a institucionalização de uma Europa a diferentes velocidades.

Já num campo mais institucional, ainda que sem valor vinculativo, na medida em que o Parlamento Europeu não pode iniciar um processo de revisão dos Tratados, no fim do ano passado, os deputados aprovaram (com 305 votos a favor, 276 contra e 29 abstenções) a sua posição sobre uma futura revisão da arquitetura institucional para permitir uma União Europeia com mais de trinta Estados-Membros.

O Relatório aprovado pelo Parlamento Europeu vem pedir, como não poderia deixar de ser, mais poderes para si próprio, nomeadamente no que diz respeito à luta contra as alterações climáticas, à saúde, à defesa e à energia. Para além disso, reivindica o direito de iniciativa legislativa (que é praticamente um exclusivo da Comissão) e o papel de co-legislador para a adopção do quadro financeiro plurianual.

No plano institucional, para melhor reflectir os resultados das eleições europeias, os deputados entendem que seria mais adequado que o Parlamento Europeu designasse o Presidente da Comissão Europeia, que seria depois aprovado pelos Estados-Membros. Propõem, ainda, a ideia de um Colégio reduzido a quinze Comissários Europeus. Os deputados propõem também um sistema mais próximo do bicameral, com o Conselho a votar, tendencialmente, por maioria qualificada, salvo excepções como a política fiscal.

Embora a decisão de abrir um processo de revisão dos Tratados caiba aos chefes de Estado e de Governo, é muito significativo que, pela primeira vez, o Parlamento Europeu tenha aprovado, por maioria, uma proposta de alteração institucional. É pressão ao mais alto nível, ou não fosse uma das mãos que redigiu este Relatório a do muito federalista Guy Verhofstadt, conhecido pelos seus inflamados discursos no Plenário.

Menos inflamada e, certamente, menos mediática, foi a Comunicação sobre reformas e revisões das políticas antes do alargamento, publicada pela Comissão Europeia em Março deste ano. Para além de analisar os benefícios de um futuro alargamento e enumerar diversas áreas onde será necessário ajustar políticas, o documento retoma a ideia expressa pela Presidente Ursula von der Leyen no seu discurso sobre o estado da União de 2023, de que o alargamento deverá ser simultâneo a um aprofundamento da União. Assim, o mote foi já lançado em Setembro do ano passado, e onde os ingleses, entretanto desaparecidos, sempre viram duas forças antagónicas – se a União crescia, não aprofundava – tornou-se hoje uma equivalência – para crescer é preciso, antes, aprofundar.

Naquela Comunicação, volta a ideia de que o voto por unanimidade no Conselho não é uma solução viável numa União alargada e, portanto, deveria ser substituído pela regra da votação por maioria qualificada. Para tal, invoca a Comissão, que não seria sequer necessário rever os Tratados, podendo usar-se as claúsulas de passarela já previstas. Esta é uma batalha antiga da Comissão, que tem feito tudo o que está ao seu alcance, nomeadamente, para afastar a regra da unanimidade em matéria fiscal. Regressa também a ideia de integração a diferentes velocidades, usando o mecanismo da cooperação reforçada ou ainda as possibilidades de opt-ins e opt-outs, quando previstas nos Tratados. São várias as possibilidades que, segundo a Comissão, permitiriam aprofundar – pelo menos para alguns – sem a obrigação de abrir formalmente um processo de revisão dos Tratados, que se pretende evitar por ser um processo moroso, politicamente delicado e que obriga, em alguns casos, a referendo popular.

Esta Comunicação da Comissão embora não tenha valor legal dará origem, como é normal no processo legislativo europeu, a propostas legislativas nos próximos anos. Porém, sendo publicada no ocaso do actual executivo europeu, não mereceu a devida atenção, escrutínio e debate.

Também a nível nacional, no momento em que se preparam programas, debates e agendas de campanha, há muitos temas mais próximos que irão merecer o destaque: do PRR à inflação; dos juros do BCE ao uso dos fundos de coesão ou da PAC, muito da discussão europeia do próximo mês e meio andará por aí. Claro que também não faltará combustível para incendiar o discurso sobre se o Green Deal será ou não suavizado, ou até abandonado, pelo centro-direita. Para além do sempre interessante debate sobre quem serão os novos nomes a ocupar a cadeira de Presidente do Conselho e de Presidente da Comissão. Admito que até se fale alguma coisa sobre uma possível revisão dos Tratados, com discursos tão eloquentes quanto distantes da realidade. Mas dos pequenos passos, de tudo o que é possível fazer, dentro da letra dos Tratados que temos, que aprofundará a União e limitará a Soberania de forma irreversível, suspeito, pouco ou nada se debaterá.

Mais relevante do que saber o que os candidatos pensam sobre o fim do princípio de 1 Comissário por cada Estado Membro, seria saber o que pensam sobre o fim da unanimidade no Conselho em matérias de política externa e fiscal. Ou o que acham da criação de recursos próprios para financiamento do Orçamento Europeu. Ou como se devem financiar os colossais investimentos necessários para cumprir a transição verde e digital e assegurar a autonomia estratégica da EU – ou se sequer concordam com ela.

Curiosamente, nestes últimos 5 anos os lobos até foram, por diversas vezes, fait divers em Bruxelas. Seja porque o famoso pónei de Von der Leyen, a Dolly, foi devorada por um, seja porque, posteriormente, a Comissão propôs reduzir a protecção legal dos lobos, abrindo a porta à sua caça. Já nos próximos 5 anos, arrisco a dizer que os “lobos” continuarão a ameçar em Bruxelas, porquanto, na ausência de debate sobre o futuro, serão os pequenos passos, com sapatinhos de lã, que preparam o verdadeiro pulo do lobo.

Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.