Nos últimos tempos, algumas forças políticas e alguns responsáveis com interesses no setor da Educação têm vindo a colocar na agenda mediática os (de)méritos do atual modelo de acesso ao ensino superior. A estratégia seguida não é tão inocente como pode parecer, especialmente por vir à boleia da discussão em torno de uma outra medida (errada, do meu ponto de vista) que o Ministério da Educação se prepara para implementar: a classificação da disciplina de Educação Física, no ensino secundário, passar a contar obrigatoriamente para cálculo da média final de curso de todos os alunos e, por essa via, vir a interferir na ordenação para acesso ao ensino superior.
A partir da troca de argumentos a favor e contra o facto de a Educação Física contar ou não para acesso, algumas individualidades e alguns representantes das Confederações de Associações de Pais e das Associações de dirigentes escolares, das escolas públicas e das escolas privadas, passaram a questionar o atual (e já muito experimentado) modelo de acesso ao ensino superior, colocando em causa a necessidade e o valor dos exames nacionais, estes sim, a verdadeira pedra no sapato de muitos pedagogos emergentes.
Várias são as questões que têm sido levantadas para colocar em causa o atual modelo de acesso. Desde o facto de os exames não serem o instrumento que melhor demonstra as “competências” dos alunos para ingressar em determinados cursos, passando pelo alegado “afunilamento” do currículo e pela “certeza” de que o trabalho das escolas se centra no “treino” dos alunos para os exames e não nas aprendizagens, até à alegação de que os exames causam muita perturbação emocional e ansiedade aos jovens… Enfim, temos ouvido de tudo um pouco.
Não querendo rejeitar totalmente estas alegações, a verdade é que as mesmas servem na perfeição para, a pretexto de aspetos negativos que possam caracterizar o processo de candidatura ao ensino superior, se criticarem os exames no ensino secundário.
Tudo leva a crer que aqueles que trouxeram esta questão para o debate político e mediático pretendem transformar a discussão em torno do modelo de acesso ao ensino superior na questão, essa sim, essencial, de haver ou não haver exames no ensino secundário. E de estes serem utilizados, em maior ou menor grau, para graduar alunos no acesso aos cursos do ensino superior. Há quem defenda até que as universidades deveriam ser impedidas de utilizar os resultados dos exames e passar a escolher diretamente os seus alunos, através de outros métodos, entre os quais, por exemplo, a entrevista. Embora seja um método utilizado noutros países não tem tradição em Portugal, pelo que rapidamente se tornaria numa solução “à medida”, não para melhorar o modelo de acesso ao ensino superior, note-se, mas para introduzir no concurso todo o tipo de subjetividades e arbitrariedades. Claro que, de caminho, serviria para dar a machadada final num instrumento de avaliação, os exames, que passaria a não ter grande utilidade prática na vida dos alunos e na organização da escolaridade.
Tenho para mim que é possível, e até desejável, estudar a fundo e melhorar o modelo de acesso ao ensino superior. Talvez deva ser reavaliada a atual fórmula de graduação e, eventualmente, introduzidos outros fatores que complementem e mitiguem as classificações obtidas no final do ensino secundário e nos exames. Este estudo parecer-me-ia bem, todavia será de alertar os mais incautos que acabar com os exames e substituí-los por outros elementos, muito mais falíveis e subjetivos, na graduação para acesso ao ensino superior, não só não garantirá a equidade que se exige como secundarizará o percurso escolar de cada aluno e o mérito pelos conhecimentos adquiridos.
Os exames nacionais devem continuar a existir, não apenas como instrumento de avaliação externa do sistema mas, também, como elementos de avaliação externa dos alunos, a considerar, na medida adequada, no cálculo da média de acesso ao ensino superior.
Vou mais longe: por muitas debilidades que tenham, os exames nacionais são, presentemente, o instrumento de avaliação mais justo e equitativo de que dispomos para graduar, massivamente, alunos no acesso ao ensino superior.Os exames são o instrumento que melhor protege os alunos provenientes de contextos sociais e económicos desfavoráveis e aquele que mais garantias dá aos portugueses, e a qualquer aluno, de que, com mérito, apenas com mérito, podem aceder a qualquer curso do ensino superior.
Diretor da Escola Secundária Eça de Queirós, Póvoa de Varzim
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.