As notícias mais recentes trazem-nos histórias revoltantes sobre maus-tratos a idosos, em lares. São os testemunhos de profissionais, famílias e dos próprios idosos que preenchem, neste momento, a agenda mediática e que revelam um negro lado deste setor dos cuidados. No entanto, há um importante fator a considerar: nem todos os lares são iguais. Este é, por isso, o momento de o governo instaurar algumas medidas que aumentem a transparência e o funcionamento de um setor cada vez mais importante para uma vida digna em Portugal.
Os números divulgados ao longo dos anos mostram que os lares clandestinos estão sempre a abrir. E a fechar. E a abrir, de novo. Durante a pandemia, foi revelado que, em Portugal, existiam cerca de 3.500 lares ilegais, ou seja, locais sem licença que recebem um número indefinido de idosos, que não são fiscalizados e que não estão minimamente prontos, seja relativamente à infraestrutura ou ao pessoal, para esta prestação de cuidados. Porém, as notícias de maus-tratos não são exclusivas a lares clandestinos. Ter licença não basta. O alvará não garante o funcionamento excelente de um lar. Por isso, devem ser colocadas em prática medidas que permitam avaliar continuamente os cuidados prestados nos lares, ao longo de todo o país, e que apoiem também a dignificação do setor.
Uma das soluções para garantir que os idosos são tratados de forma humana, empática e dedicada (ou seja, da forma que merecem) é a fiscalização regular. A distinção entre visitas de acompanhamento técnico, que são previamente comunicadas aos lares, e fiscalizações, que só acontecem após denúncia e não têm hora marcada, não faz sentido. Todas as visitas devem ser “de surpresa” e frequentes. De que outra forma será possível avaliar as condições reais nas quais os idosos vivem? Seria importante, também, que as conclusões das visitas técnicas fossem públicas, à semelhança de outros países, como os Estados Unidos da América, para as famílias conseguirem tomar decisões informadas. No que toca ainda à questão das visitas, por que é que as famílias têm horários impostos pelos lares para visitarem os idosos? Estes momentos não devem ser limitados. Impedir as famílias de visitar os idosos livremente é impedir a fiscalização autorregulada. Os maus-tratos e a negligência também se combatem assim. Repito: ter licença não basta. Há lares precários e pouco aptos a receber idosos que, ainda assim, mantêm as portas abertas, porque podem. Porque são legais. É fundamental falar com os profissionais e, sempre que possível, com os idosos dos lares, durante as visitas, técnicas ou familiares, para tirar conclusões efetivas, que, depois, devem ser usadas para direcionar as famílias até aos bons lares.
Além das fiscalizações assíduas, o Estado deve assegurar uma resposta social digna. Grande parte das reformas em Portugal são baixas. Estamos a falar de um valor médio anual de 6.344,3€, segundo a Pordata. Dividido por 12 meses, o valor não chega a 550€. Há quem receba menos. Em 2022, os valores praticados pelos lares legalizados variaram entre os 900€ e os 3.015€. Onde estão então as soluções reais para os idosos, e suas famílias, que não conseguem suportar estes custos? É incompreensível que não exista uma lei que obrigue as IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social) a reservar as suas camas para os idosos com recursos financeiros baixos, levando a que estas pessoas tenham de optar por lares com condições precárias, legais ou não, pelo seu baixo valor. Por lares sem infraestruturas prontas para receber os idosos. Por lares que não asseguram uma resposta digna. Por lares cuja direção técnica não é sequer obrigada a estar a tempo inteiro nas instalações – outra lacuna na lei e que perpetua a existência de lares que atuam incorretamente.
Os diretores técnicos têm de estar presentes nos lares, isto é imperativo. A sua presença é vital para garantir o conforto, cuidado e organização do lar. Há lares modestos de uma qualidade clara, onde existe a devida humanização dos idosos e nos quais o trabalho da direção técnica é percetível. Falo de espaços limpos, que oferecem conforto aos idosos e onde o cuidado e, acima de tudo, o pormenor conta. São estes fatores que diferenciam os lares. Não é a dimensão, o tamanho da equipa auxiliar ou a localização. É o cuidado e a dedicação — o que me leva à última medida urgente que o Governo deve considerar.
Por quanto mais tempo devemos esperar pela dignificação da profissão de quem trabalha em lares e lida com idosos diariamente? Há uma grande escassez de equipas qualificadas, tanto com competências técnicas como pessoais, para a prestação de cuidados aos idosos. Este é outro ponto estrutural relativamente à existência de maus-tratos: os auxiliares geriátricos têm de sentir uma grande admiração por aquilo que fazem. Têm de sentir que existe um propósito no seu dia a dia e que atuam com base em valores muito concretos. Esta é uma profissão desafiante que exige dedicação. Voltamos ao tópico anterior: o cuidado importa. Temos de olhar seriamente para a criação de uma base de talento pronta para dar resposta e ainda para o desenvolvimento de uma série de condições para a retenção de pessoas não só nos lares, mas na própria profissão.
Revi alguns pontos essenciais para a melhoria do setor do lares. Identifiquei medidas concretas de fácil implementação e para as quais não há desculpa para ficarem na gaveta. Parece-me óbvio: a fiscalização dos lares deve ser realizada sem avisos e com os relatórios tornados públicos; é necessária regulamentação que garanta que camas financiadas pela Segurança Social são reservadas para quem mais precisa; deve tornar-se obrigatória a presença assídua da direção técnica no local para garantir as boas práticas de cuidados; e, obviamente, desenvolver a profissão geriátrica para aumentar o número de profissionais dedicados ao cuidado.
Portugal é um país a envelhecer e não se prevê uma reversão desta tendência. Os bons lares são essenciais e a regulação atual não é suficiente para garantirmos o acompanhamento necessário à população portuguesa. Chegou a hora de falarmos seriamente sobre este tema. E podemos começar a agir já com estas medidas de fácil implementação. O país não pode falhar.