É muitíssimo perigoso fazer-se o uso dos termos como os do título. Não é fácil deixar de usá-los; é difícil quando somos o alvo. A vida é mesmo assim, por mais que se queira, só nos livramos deles conforme os seus usuários vão desaparecendo. É de todas as culturas: por mais que se evite, pumba!, lá estamos nós a usar, ou a ser alvo, de um adjectivo que nos diferencia.

Vamos ao meu registo mais antigo: em Moçambique, logo após o 25 de Abril, chamávamos de ‘Polaco’ aos brancos que regressavam à Metrópole. Porquê? Não sei. Mais tarde, agora em Macau, nós, os portugueses, éramos chamados ‘Boi Fedorento’ (Ngau Sok), fruto duma tradição com cinco séculos, fazendo reporte do mau cheiro que os navegantes portugueses tinham quando aportavam àquelas terras, após longas e perigosas viagens. E ainda é assim. Há ainda um lindo epíteto ‘Saiong Kuai, significando ‘Diabo Vermelho’ ou o ‘Diabo que veio por mar’ que é de uso comum, e extensível a todos, direi, caucasianos, expatriados ou não.

Voltando-me agora para Portugal, ainda se vai ouvindo dizer, que se trabalha como um ‘galego’, mas por causa da nossa presença africana, ‘trabalhar como um preto’, a certa altura, foi um termo de substituição. Quando cheguei a Portugal, vindo de Moçambique, acreditem, terra onde muitas vezes fui ‘português de segunda’, rapidamente fiquei ‘Retornado’. Embora eu nunca tivesse cá estado, não adiantava explicar, vinha de lá, eu era isso mesmo, um ’Retornado’. Com muita tristeza, ria-me, quando, não tendo por onde atacar-me, diziam cara a cara, que a falta de água era culpa dos ‘Retornados’ só porque se tomava banho todos os dias.

Sou um ‘Torna-Viagem’ de 3.ª geração, mas já tenho os da 4.ª a caminho, família espalhada pelo mundo e, sempre que nos encontramos, partimos o coco a rir ao ouvirmos as formas como os diversos povos tratam os outros. Como disse, é cultural, de todas as culturas de todos os povos; não há fronteiras. Para nós, ‘Lentos’, sempre foram os ‘Alentejanas’; ‘Desconfiados’, os Algarvios; ‘Rudes’, os ‘Transmontanos’; ‘Dançarinos’, os Minhotos. E por aí afora. Por onde tenho andado fui tendo sempre um epíteto novo em função da minha origem. Será por uma razão lógica? Não sei. O que sei é que, por muito que queiram, essas expressões não são necessariamente pejorativas ou racistas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR