Têm surgido neste jornal várias vozes contra as medidas de confinamento tomadas pelos vários países por causa do Covid-19. Sobre a suposta “histeria” relacionada com a perigosidade do vírus que, afinal de contas, não passa de uma “gripe”. O confinamento foi inútil, dizem eles. As máscaras são inúteis. Os assintomáticos não transmitem a doença. Matamos pessoas por outras doenças, por ausência de resposta dos hospitais por causa da Covid-19. É a propaganda do medo. Destruímos a economia para nada por uma doença “perfeitamente banal”.

Estes Messias da Covid-19 são na realidade os negacionistas da Covid-19, ao nível dos anti-vacinas e dos negacionistas das alterações climáticas de origem antropogénica. Aproveitam-se do desespero das pessoas que ficaram sem sustento ou tiveram quebras brutais de faturação, ficaram em lay-off ou pior… acabaram no desemprego. As pessoas querem acreditar nos Messias. Precisam de acreditar nos Messias na esperança que a normalidade se restabeleça. O problema é que o efeito pode ser exatamente o contrário. Seguir os Messias pode ser, paradoxalmente, a catástrofe dos seus seguidores.

O que é estranho é que estes Messias são facilmente desmontados por eles próprios. Apresentam currículos “brilhantes” que não passam de engodos para crentes, como dizer que são “doutorados em modelação de doenças respiratórias” quando, na realidade, fizeram um doutoramento em modelação do gasto energético recorrendo a acelerómetros em doentes com DPOC e fibrose cística…nada a ver com epidemiologia, virologia ou infecciologia. Mas isso não os impede de se venderem dessa forma.

Mas supondo que são mesmo craques na área da epidemiologia (que não são), isso não passaria de uma falácia da autoridade. Mais interessante será avaliar as previsões dos Messias e como estas fugiram completamente à realidade.

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A banalidade da doença

Esta doença banal terá, segundo as melhores estimativas, uma Infection Fatality Rate (IFR) a rondar os 0.3 a 0.6%, segundo os estudos serológicos existentes. Em comparação com a gripe, que tem um IFR entre 0.02 a 0.05% esta doença banal será “apenas” 6 a 30 vezes mais mortal.  Isto sem considerar que mais de 60% das pessoas hospitalizadas vão ficar com sequelas pulmonares, possivelmente permanentes. Cerca de 5% vão ter acidentes vasculares cerebrais. Mais de 20% embolismos pulmonares. Mais de 10% lesões cardíacas. Mais de 30% lesões renais. E isto é apenas a ponta do Iceberg dado o desconhecimento dos efeitos a longo prazo da doença. Como se pode ver, perfeitamente “banal”.

Aliás, esta “doença banal” já ultrapassou a mortalidade de praticamente todas as pandemias de gripe registadas nos EUA, excepto a pandemia de 1918. É tão banal que nos EUA já tem uma mortalidade 2 a 10 vezes superior a todas épocas gripais registadas desde 2010 e ainda não são os números finais. Sem esquecer que estes números foram amenizados pela implementação de medidas nunca antes vistas… aquelas que supostamente não funcionam, segundo os Messias.

Perante estes números, os Messias conseguem continuar a dizer que a doença é apenas uma gripe, ao mesmo tempo que festejam os números vindos de Bergamo, onde 57% da população têm anticorpos para o SARS-CoV-2, o que dá uma Population Fatality Rate de pelo menos 0.58% e se considerarmos as mortes indiretas passa para 1%. E digo pelo menos porque este último estudo não considera o mês de Maio e os testes serológicos em Bergamo não foram aleatórios tendo-se focado nas zonas mais fortemente atingidas.

Ao mesmo tempo que festejam estes números e conciliam a narrativa da “Covid-19 é uma gripe banal”, tentam também conciliar a narrativa da “imunidade de grupo atinge-se aos 15%”, quando em Bergamo existem zonas com 57% de infetados e talvez não exista mais por causa do confinamento. Onde está a imunidade de grupo? Explica-se por “alterações das dinâmicas da população”, segundo os Messias. A culpa foi terem colocado as pessoas em casa. Não fosse isso, a imunidade de grupo dos 15% serviria…estes Messias são uma comédia.

A inutilidade das medidas de quarentena

Depois temos os aproveitadores do “paradoxo da prevenção”. Ou seja, aproveitam-se do sucesso das medidas de quarentena e a baixa mortalidade associada para dizerem: “Estão a ver? Este vírus é apenas uma gripezinha. Mata menos que uma gripe”.

Pelos vistos é possível comparar a mortalidade de uma doença a propagar sem controlo na população com a mortalidade de uma doença que foi controlada a tempo, com medidas draconianas.  Mas claro…as medidas de quarentena não funcionam. Até há quem diga que até agravou o problema! Algo apenas desmentido pela realidade.

Primeiro, basta ver o que está a acontecer nos países que mais adiaram a implementação de medidas: Brasil e EUA. Onde os seus líderes preferiram a narrativa do “é só uma gripe”, andaram a promover a fraude da cloroquina para impedir o fecho da economia e quando o descalabro começou a surgir, tentaram ocultar os números como fez o Sr. Bolsonaro.

Depois basta comparar a Suécia com os seus países vizinhos: a Dinamarca, a Noruega e a Finlândia. A Suécia, apesar da baixa densidade populacional, apesar de ter registado uma diminuição de trabalho presencial na ordem dos 50%, de mobilidade social na ordem dos 70%, terem cancelado voluntariamente as férias e reduzido os ajuntamentos sociais conseguiram ter (e ainda a agravar) uma mortalidade oito a vinte vezes superior aos seus países vizinhos.

Mas sim… a evidência da eficácia de medidas como a quarentena é limitada, apesar do sentido ser claro: a quarentena funciona. Isto foi verificado pela Cochrane, pela Health Affairs, pelo Imperial College of London, por um estudo recente publicado na Nature e verificando o que aconteceu com a propagação de outras doenças respiratórias com a imposição da quarentena.

Agora, a quarentena imposta pelos países foi apenas o princípio. É preciso que as pessoas cumpram as normas de distanciamento social, utilização de máscara e lavagem de mãos para impedir ter que voltar a passar pelo mesmo, como refere o último estudo do CDC, outro de Oxford e outro publicado na Nature.

E as mortes indiretas? E as pessoas que ficaram sem serviços de saúde?

Dizem os Messias que morreram mais pessoas por não acederem aos serviços de saúde do que pela Covid-19. É o impacto da “propaganda do medo”. É possível que tenham razão apesar de três estudos recentes, realizados nos EUA e no Reino Unido, demonstrarem que não houve aumento de mortalidade por doenças cardiovasculares (1,2) e não houve diminuição de apoio por parte do sistema de emergência a doenças cardiovasculares.

Agora, isto é uma falsa questão porque sem lockdown, sem imposições de medidas draconianas e com o colapso dos sistemas de saúde como aconteceu em Itália, o que acham os Messias que teria acontecido na prestação de serviços de saúde a outras doenças? Acham eles que o sistema conseguiria dar resposta às solicitações? A resposta é mais do que óbvia.

Máscaras… assumo o erro

Pessoalmente tinha sérias dúvidas sobre a utilidade das máscaras em utilização comunitária para reduzir a propagação da Covid-19. E assumo que estou provavelmente errado, já que a maioria dos estudos que têm surgido demonstram que as máscaras têm um papel importante na redução da transmissão comunitária da doença. E podem mesmo ser essenciais na prevenção de uma segunda onda.

Assumir o erro é um traço que não se vê nos Messias. Eles têm sempre razão.

Conclusão

Este artigo é apenas um pequeníssimo contraditório sobre a posição dos Messias e os seus esforços para vencer a “propaganda do medo”. O problema, como referi, é que estes Messias, através da desinformação e do cherry-picking da “evidência” que lhes dá jeito para vender a sua narrativa, estão a tornar cada vez mais provável a existência de uma segunda onda de infeções levando as pessoas a acreditar que não se passa nada. Foi tudo histerismo. Os epidemiologistas são uns nabos e eles é que sabem. O Dunning-Kruger levado ao expoente máximo. Agora, a responsabilidade de acreditar nos Messias, é sua.