Quando, no passado dia 2 de junho, decorreram 2 anos sobre a “desconstrução” daquele que  ficou tristemente conhecido como “Prédio Coutinho” em Viana do Castelo, não pude deixar de  voltar a sentir vergonha por aquilo que aconteceu durante o longo processo que mediou entre a  aprovação do programa Polis em 2000, que decretou a demolição do prédio e o final da corajosa luta dos moradores que viram completamente defraudadas as suas esperanças de  morar num prédio legalmente construído na década de 70 do século XX, em Portugal.

E, se a sanha persecutória dos dirigentes da altura que decidiram que a sua construção tinha  sido um “erro urbanístico” por “desvirtuar a paisagem”, então aconselho a que passem em  revista todos os outros casos de verdadeiros atentados ao bom gosto e às regras de  planeamento urbano, que, infelizmente continuam a grassar por este país, para não falar dos  atentados ambientais com os quais temos de gastar milhões de euros em consolidações  costeiras.

Só que, talvez por acaso, não estejam incluídos nas áreas abrangidas por esses famigerados programas Polis, que pretendiam revitalizar certas zonas urbanas no velho continente, mas  que, nalguns casos em Portugal parece terem servido apenas para, com o dinheiro da União  Europeia, que por acaso também é o nosso, dar-se uma imagem de uma riqueza que não  temos e de um luxo que não desejamos, quando há pobres a dormirem na rua e estudantes a  desesperarem por um quarto!

Apetece perguntar: o que é que se passou com essas pessoas, a começar pelo primeiro ministro de então, que fizeram finca-pé duma interpretação parcial da lei, para, numa decisão  casuística e datada, ignorar pelo menos três princípios dos direitos fundamentais individuais,  consagrados na constituição portuguesa: o direito à propriedade privada, o de ter uma  habitação condigna e o de usufruir um ambiente de vida são e equilibrado, para levar a sua  avante e afirmar o seu incomensurável ego.

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E não venham dizer que a existência do edifício feria os princípios dos valores ambientais da  população e o da proteção das zonas históricas, pois a decisão de demolir o prédio foi tomada  antes da aprovação da delimitação da área urbana do Centro Histórico de Viana do Castelo, que, como todos sabem, ocorreu apenas em 2013, após a aprovação do Plano de Pormenor  em 2002. E depois, que fazer com os prédios mais recentes, construídos mesmo ao lado? Já  todos obedecem aos critérios de construção da zona histórica? Ou será que apenas foram  autorizados porque o perfil do arruamento com o Prédio Moutinho o permitia e, agora, sem o  mesmo, deixou de permitir?

Vamos demolir tudo?

Estaremos aqui a falar de “uma lei feita à medida” para acabar com o “Prédio Coutinho”? Que mal fez o Senhor Coutinho?

Quando o preço da habitação está o que se sabe e teremos, mais tarde ou mais cedo, que  questionar a viabilidade da “construção em altura” poder vir a resolver, nalgumas zonas  definidas, o problema da habitação, tal como foi feito noutros países, pergunta-se: a quem  interessou fazer valer uma conjuntura política de ocasião, baseada numa maioria forjada, como  só o grande mestre da prestidigitação soube fazer, para deitar abaixo a morada dalgumas  famílias, que naquele local tinham investido as suas economias e legitimamente depositado as  suas esperanças de poder viver os últimos anos das suas vidas?

Será que não lhes pesou na consciência ver as vidas dos mais idosos que lá viviam, e que  posteriormente morreram, a pedir desesperadamente que deixassem estar as pessoas nas  suas casas, que não tinham feito mal nenhum a ninguém, para estar a viver este pesadelo?

O que fariam os leitores se alguém vos viesse bater à porta e dissesse que tinham de  abandonar a casa, pois o prédio iria ser demolido?

Nem quero pensar nisso.

O que acho que se passou sim, foi, numa atitude de prepotência socialista, a que alguns  posteriormente se juntaram, tentou-se exercer em Portugal os princípios do “quero, posso e  mando” das antigas sociedades de leste, onde o Estado mete o nariz em tudo e o apparatchik tudo manda para fazer valer os seus direitos, restando aos cidadãos “baixar a bolinha” e  continuar a produzir em prole dos planos quinquenais, aqui traduzidos nuns powerpoints bonitos  e nuns défices “martelados” por umas cativações “manhosas”.

Isto faz lembrar a atitude metediça e insidiosa daquela personagem da magistral obra de  Dickens: [Vida e Aventuras de] Martin Chuzzlewit, conhecida por Pecksniff que, fazendo-se valer da sua presença  constante na comunicação social e da sua voz melodiosa e entediante, conseguir levar sempre  a água ao seu moinho, tal como aconteceu na Câmara Municipal de Lisboa em 2007, onde foi  eleito presidente com menos de 30% dos votos e no seu próprio partido em 2014, sobrepondo se ao então líder, que havia acabado de vencer as eleições europeias.

Recordo aquelas pobres pessoas, a quem foi cortada a água e a luz das suas casas, para que  deixassem à força aquilo que era seu, arduamente conseguido, após uma vida de trabalho, enquanto cá fora a polícia impedia qualquer aproximação dos seus familiares e amigos que,  pela calada da noite, tentavam fazer chegar alguns parcos víveres aos apartamentos dos  últimos pisos, através de cordas deixadas à socapa nas varandas a tardoz. Parecia uma cena  de um filme neorrealista italiano dos anos 50, só que a cena passou-se no Portugal dos nossos  dias, na era de má memória da burguesia socialista.

Como diria o Almada na sua incomensurável obra A Cena do Ódio (aconselho ouvir a versão  declamada do Mário Viegas): “Ó burguesia! Ó ideal com “i” pequeno, Ó ideal ricócó dos  Mendes e Possidónios. (…) Eu creio na transmigração das almas por isto de Eu viver aqui em  Portugal. Mas eu não me lembro o mal que fiz durante o Meu avatar de burguês. Oh! Se eu  soubesse que o Inferno não era como os padres mo diziam: uma fornalha de nunca se morrer,  mas sim um Jardim da Europa à beira-mar plantado. Eu teria tido certamente mais juízo, teria  sido até o mártir São Sebastião! Mas ainda há quem faça propaganda disto: a pátria onde  Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões!”

Para tudo foi encontrada justificação.

Nunca até então se viu, tamanha conjura laboriosa para responder às suspensões das ordens  de demolição, decretadas pelo tribunal. Diariamente fomos confrontados com imagens das  pessoas que justamente não queriam sair do prédio, com as suas faixas nas janelas  proclamando: “Deixem-nos estar!”

E ninguém fez nada!

Onde estavam então os atuais reivindicadores dos direitos das minorias?

Onde estava então a “esquerda caviar” sempre disposta a empreender ações de protesto,  algumas justas, diga-se de passagem, mas o que fizeram?

Não ouvi nada.

Agora está tudo esquecido e enterrado nas toneladas de entulho que foi dali tirado e do “Prédio  Coutinho” só resta a memória dos não resignados da hipocrisia política e dos futuros  pensadores que, quando vierem fazer a história de Portugal, pensarão: Que país! Onde se  pensa sempre “em grande”, grandes aeroportos, grandes TGV´s, mas de onde nem sempre sai grande coisa.

A propósito da construção no novo aeroporto, aqui vai mais uma “pérola”:

Consultei o relatório da Comissão Técnica Independente (de quem?) para verificar a  possibilidade de fazer a futura ligação em TGV entre as duas maiores cidades portuguesas,  passando no aeroporto e confirmei a suspeita que tinha inicialmente: para ir de Lisboa ao Porto  em TGV teremos de sair da Gare do Oriente para Sul (leram bem: para Sul!), atravessar o rio na nova ponte sobre o Tejo, e passar no aeroporto em Alcochete, no distrito de Setúbal, para  depois entroncar no Carregado a caminho do Norte, gastando mais 50 minutos numa viagem  que se queria mais rápida! A alternativa será a de ir direto ao Porto sem passar no aeroporto, ou, para quem vem do Porto, ir direto ao aeroporto sem vir a Lisboa ou ter de passar em Lisboa  para apanhar o avião em Alcochete!

Qual das duas a pior!

Apetece perguntar: e porque não considerar a Ota como localização do futuro aeroporto de  Lisboa, aproveitando a base aérea aí existente, para fazer um aeroporto com ligação direta ao  Porto por TGV? Já que Santarém se afigura distante de Lisboa e tem o problema da área  militar de Monte Real, porque não pensar numa localização já estudada como hipótese  possível, permitindo aproveitar a ligação Lisboa-Porto em TGV, sem ter de andar “às voltas” para apanhar o avião e poupando milhões de euros em pegada energética e tempo perdido,  num horizonte de longo prazo?

Ninguém fez as contas ao que se vai perder com esta solução que vai obrigar à construção de  mais duas pontes sobre o Tejo, criando o tal anel de acessibilidade ferroviária em torno de  Lisboa? Onde estão os direitos das pessoas que ainda não nasceram e que irão pagar  futuramente os nossos desmandos?

Por incrível que pareça, tal opção estratégica nem sequer foi considerada pela referida  comissão, como hipótese de trabalho!

Quase apetece dizer: Sócrates vem, que estás perdoado e, relativamente ao comentário:  Na margem Sul?… Jamais! Que dizer?