Este poderia ser um texto sobre o PRR, Orçamento do Estado, inflação ou mercado de transferências deste Verão. Apesar da questão se aplicar a todos esses temas, opto por escrever sobre nómadas digitais, criptoeconomia e private equity, temas de nicho, mas que podem igualmente impactar o nosso futuro. E digo podem, porque o futuro é incerto, mas principalmente porque dependerá da forma como abordarmos estas oportunidades.

A globalização faz parte da Humanidade desde que os Portugueses partiram à conquista de Ceuta em 1415. As suas diversas vagas geraram muito mais vencedores do que vencidos, mas, para cada sociedade (e classe social), essa condição foi variando ao longo do tempo. Muito depois do pioneirismo e vanguarda tecnológica de há 500 anos, sabemos quanto Portugal beneficiou da abertura da economia a partir dos anos 60 e, no sentido oposto, as dificuldades sentidas no século XXI com a emergência de economias competitivas no Leste Europeu e na Ásia.

Serve este contexto histórico para reforçar que os resultados da globalização para cada país resultam de diversos acontecimentos, condicionalismos e opções, podendo as últimas ser decisivas devido à rapidez com que novas tecnologias se difundem. Basta recordar os países bálticos (software), Singapura (serviços financeiros e indústria de alta tecnologia) e a estratégia de consumidores-produtores que tornou a Suécia numa referência em energias renováveis. A inovação proporciona resultados rápidos e significativos, haja empreendedores, disponibilidade de profissionais qualificados, qualidade das instituições e capital para investir.

A propósito de capital, estima-se que o volume disponível para investir por parte de fundos de private equity e venture capital seja de aproximadamente 2 triliões de dólares (um trilião = um milhão de milhões), o que representa quase 10 vezes o PIB português. Por sua vez, o volátil mercado de criptomoedas, que há 5 anos praticamente não existia, atingiu um máximo histórico de quase 3 triliões de dólares em novembro.

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Nas escolas de economia e gestão aprende-se uma regra simples e intuitiva, que diz que o capital flui para onde espera maior retorno. Bons empreendedores com bons projetos atraem sempre capital, só resta saber para que país. Portugal tem uma nova geração de empreendedores, que criaram empresas inovadoras, com taxas de crescimento elevadas e reconhecimento internacional. Existem diversos casos de empresas de software, hardware, biotecnologia ou criptoeconomia criadas em Portugal e que angariaram capital para crescer, ou foram vendidas pelos fundadores, que realizaram um encaixe financeiro significativo, dando-lhes oportunidade de reinvestirem noutros projetos.

Muitos dos nossos empreendedores ambicionam desenvolver empresas e negócios relevantes à escala mundial, o que não acontecia em gerações anteriores, quando a internacionalização correspondia essencialmente a incursões aventureiras das maiores empresas nacionais, em mercados de língua portuguesa ou espanhola, ou à criação de sucursais em mercados geograficamente próximos para fomento de exportações.

É pouco provável que alguma vez tenhamos simultaneamente gigantes mundiais em áreas tão distintas como a banca, comunicações, energia, construção e vestuário, como acontece em Espanha. Cada país tem as suas particularidades e existem questões mais complexas do que a língua e a dimensão do mercado interno. No entanto, os negócios funcionam de forma cada vez mais descentralizada, pelo que a capacidade de mobilizar e desmobilizar recursos rapidamente, explorando as parcerias certas, vai-se tornando mais importante do que deter ativos de grande dimensão. Isto reforça a importância de aproveitarmos estas transformações para posicionar Portugal como polo de inovação e conhecimento, alavancando a qualidade dos nossos profissionais (e.g. ciência, tecnologia e engenharia) e também aproveitando aqueles que se mudaram para cá. A título de exemplo, existe uma comunidade de peritos em blockchain que se instalou recentemente em Portugal, atraída pelo “vazio legal” em matéria de tributação de criptoativos, e cujo conhecimento seria importante aproveitar e integrar com empresas e profissionais da nossa economia, antes dessa vantagem acidental terminar.

Num cenário generalizado de corrida pelo talento, são ainda mais necessárias empresas com negócios interessantes, que proporcionem carreiras internacionais, salários adequados ao desempenho e onde as pessoas sintam que podem evoluir e conhecer novas realidades. Atrair capital e desenvolver clusters de inovação implica que o talento gerado e “importado” desenvolva as suas atividades numa lógica de ecossistema nacional que permita ampliar a nossa capacidade produtiva e a nossa riqueza.

A rápida transformação de métodos de trabalho e a transição para a economia digital reduzem as desvantagens associadas à nossa posição periférica, aos custos de contexto e à concorrência de mercados emergentes. A nova geração está a tirar partido disso. Jamais poderá replicar o impacte dos Descobrimentos, mas poderemos sempre almejar novos horizontes.