Todo o mundo é composto de mudança, dizia Camões já no século XVI. Depois da pandemia, a trágica guerra na Ucrânia confirmou que devemos sempre esperar o inesperado, embora a História se repita e a Humanidade deva aprender com ela.

O agravamento da tensão com a Rússia tem colocado o Ocidente a refletir sobre as relações económicas com diversos países. A energia é o exemplo mais evidente para os europeus, ao mesmo tempo que se agrava a “guerra-fria” tecnológica pelo controlo do mercado de semicondutores entre os EUA e a China.

Este contexto torna as decisões de negócio mais arriscadas, pois um investimento falhado ou um acordo com o parceiro errado implica custos imediatos e uma perda de competitividade difícil de reverter. É melhor esperar que a inflação esteja controlada, o contexto geopolítico seja redefinido ou a economia recupere?

Maimónides dizia que o risco de uma decisão errada é preferível ao terror da indecisão, mas nem por isso uma visita de Nancy Pelosi a Taiwan é razão para que uma empresa encerre logo uma fábrica na China. Porém, um estado prolongado de indecisão ou a incapacidade de adaptação podem ter efeitos catastróficos quando o contexto muda. Que o digam os gestores que enfrentaram o declínio da indústria automóvel americana pré-Tesla e de grandes empresas como a Nokia ou Blockbuster.

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Mas então o que fazer, quando a inércia é receita para o desastre e a ação é mais arriscada do que nunca? Para decidir bem é necessário ter informação disponível, mas isso não basta se a melhor opção não tiver sido sequer equacionada. Conhecer as melhores opções disponíveis requer condições para troca de ideias. Steve Jobs sabia-o e por isso dava importância à forma como a configuração dos escritórios influenciava as relações entre os funcionários.

As relações com clientes, fornecedores e parceiros também podem ser uma fonte de oportunidades. Num exemplo bastante básico, comprar equipamentos no fornecedor mais barato pode não ser a melhor opção, se a compra de equipamentos iguais a outro fornecedor permitir aceder a recursos ou parcerias únicas. Ou veja-se o caso dos fundadores da Android que, através da venda à Google em 2005, passaram de donos de uma empresa desconhecida de futuro duvidoso, para gestores de um negócio que se tornou no sistema operativo de smartphones mais utilizado no mundo. Parece simples, mas a descoberta destas oportunidades nem sempre vem no catálogo…

O acesso a financiamento é um caso exemplar. Para a mesma empresa, o seu custo pode variar em função da forma (capital próprio, dívida, obrigações convertíveis…), de quem o concede e das condições de reembolso, entre outros fatores. No entanto, o custo pode não ser o fator decisivo para escolher, mesmo que o dinheiro seja visto como commodity. Em muitos casos, a vantagem de um parceiro de capital pode estar na complementaridade entre negócios, no conhecimento ou simplesmente na sua rede de contactos.

As relações de capital ainda não são suficientemente valorizadas nas economias europeias, muito assentes em financiamento bancário tradicional, mas é visível alguma evolução. Ao longo dos últimos anos, a significativa liquidez fez aumentar a concorrência entre investidores de diversos países pelas melhores empresas. Cada vez mais, fundos de private equity, mas também empresas com estratégias de crescimento inorgânico e bancos, precisam de fatores diferenciadores para conseguirem aplicar o seu dinheiro e atingir objetivos de crescimento e retorno.

Apesar da subida das taxas de juro e da expectável recessão internacional, o capital angariado nos últimos anos terá de ser aplicado e a concorrência deverá continuar a aumentar, sobretudo pelos investimentos em empresas competitivas, sólidas e com potencial. Uma vez que os valores médios de avaliação das empresas desceram, após máximos de 2021, os empresários que não necessitarem de dinheiro irão privilegiar os investidores que proporcionarem maior capacidade de abertura de novos mercados.

Por outro lado, é provável que cresça o número de empresas cujo contexto fará olhar para a angariação de um parceiro com renovado interesse, tendo em vista a obtenção de suporte financeiro e a transformação organizacional, ou simplesmente vingarem enquanto startups. Este último caso, correspondente ao universo de venture capital, foi o mais impactado pela alteração das condições na economia, tendo aumentado significativamente o escrutínio dos investidores sobre as perspetivas de sustentabilidade das startups. Cada investidor apresenta vantagens próprias em função do caso concreto, e alguns apresentam mais vantagens do que outros.

Em Portugal, estas dinâmicas serão interessantes de seguir, dado o crescimento significativo do capital de risco nos últimos anos, o impacto do Programa Consolidar e dos fundos SIFIDE, e as abordagens cada vez mais intensas e frequentes vindas de outros países, sobretudo no setor de tecnologia.

Na economia, os contextos globalmente adversos também dão origem a progressos notáveis. Isso pode acontecer devido à necessidade de mudar, a alterações no panorama competitivo e, por vezes, à maior disponibilidade de tempo para inovar. Com ou sem parceiros de capital, os efeitos da nova dinâmica macroeconómica irão obrigar as empresas a encontrar novas formas de se relacionar no mercado.