A criatividade é uma aptidão humana que tem sido determinante para a nossa evolução enquanto sociedade. Talvez a principal razão para o contínuo aparecimento de novas ideias seja o nosso insaciável fascínio pela criação. Leonardo da Vinci foi o expoente máximo da interdependência entre arte e ciência, e a imaginação capturada pela literatura e pelo cinema deu origem a várias invenções.

Também no desporto e nos negócios há algo de inexplicavelmente belo quando uma jogada improvável tem sucesso. O criativo “camisola 10” faz parte do imaginário dos adeptos de futebol, da mesma forma que tendemos a idealizar a figura do negociador que alcança um acordo difícil com uma ideia inesperada.

Apesar desta aura de magia em torno da criatividade, a estratégia de grande parte das empresas baseou-se, durante décadas, em eficiência e otimização dos processos existentes para melhorar a qualidade e aumentar a satisfação do cliente. Hoje, atendendo à rapidez com que mudam as tendências e surgem novas tecnologias, há cada vez mais casos em que a procura de soluções mais criativas e a tomada de riscos são críticas para gerar novas fontes de diferenciação.

Na verdade, já foi na década de 90 que se generalizou a importância da inovação entre as empresas incumbentes, até para se precaverem dos receios de inovação disruptiva por parte de novos entrantes. Ironicamente, no auge da bolha das dotcom na viragem do milénio, a criatividade parecia ficar-se pela fórmula “à mulher de César basta parecer”, que garantia valorizações astronómicas em bolsa com pouco mais do que um nome trendy.

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Os últimos a chegar a essa festa pagaram a conta, mas hoje ninguém duvida que as expectativas sobre o potencial da internet tinham fundamento e, também por isso, aumentou o uso de jargão tecnológico. Investidores e clientes são seduzidos por conceitos como big data, cloud, internet of things, virtual reality, blockchain, e agora, em força e com todo o mérito, inteligência artificial generativa. Felizmente, os avanços trazidos por muitos deles são tangíveis e imediatos, apesar das dúvidas em áreas mais especulativas, como se viu com a FTX.

Para se adaptarem a estas transformações do mercado, as empresas têm de inovar de forma mais ágil, e muitas optam pela aquisição de outras empresas, ou pelo estabelecimento de parcerias com start-ups e scale-ups. Em 2022, as operações de corporate venture capital (empresas maduras que investem em venture capital por interesse estratégico) atingiram percentagens recorde de aproximadamente 20% e 25% do total de operações de venture capital, na Europa e nos Estados Unidos, respetivamente, de acordo com dados da PitchBook.

O investimento da Microsoft na OpenAI é um bom exemplo de implementação desta estratégia, embora com uma dose de sorte pelo meio. A OpenAI foi concebida como projeto aberto de inteligência artificial, financiado por doadores como Elon Musk, Peter Thiel, a Infosys e a AWS, para impedir a Google de monopolizar o setor. Quando se concluiu que o projeto não sobreviveria sem fins lucrativos, surgiu a Microsoft, que desesperava por provar que podia estar na vanguarda nesta área. As negociações permitiram à OpenAI receber o dinheiro para continuar a desenvolver produtos como o ChatGPT e o DALL-E e a Microsoft ficou com acesso a capacidades e um estatuto que dificilmente conseguiria de outra forma.

As criações da OpenAI são parte de uma recente avalanche de ferramentas de inteligência artificial para criar arte, música ou jogos e para simplificar a nossa vida no dia-a-dia, que levanta questões sobre o futuro que a própria imaginação tem dificuldade em responder[1]. David Autor, um dos mais influentes economistas mundiais na área do trabalho, diz que somos muitos bons a prever o que não faremos e muito maus a prever o que faremos de facto. A inteligência artificial vai acabar com a forma como as coisas são feitas hoje, mas é muito difícil prever como elas serão amanhã. Daqui também resultam questões de natureza ética e política, que são importantes para preservamos uma sociedade equilibrada.

Uma das pistas para entendermos como se irão desenrolar os acontecimentos é dada pelos contributos científicos de um português. O neurocientista António Damásio estudou o papel das emoções na tomada de decisão. Num estudo marcante, Damásio descobriu que pacientes que sofreram danos no córtex pré-frontal, uma parte do cérebro importante para tomar decisões, eram incapazes de o fazer, mesmo na posse de todas as informações necessárias, porque lhes faltavam as respostas emocionais para avaliar os prós e contras de diferentes opções. Ou seja, a tomada de decisão só é verdadeiramente racional com a contribuição das emoções.

Os sistemas de inteligência artificial usam modelos matemáticos complexos para processar quantidades absurdas de dados, mas (ainda) não conseguem entender as subtilezas da tomada de decisão humana, que muitas vezes requerem intuição com base em informações incompletas ou ambíguas. Mesmo os algoritmos mais avançados de análise de sentimentos, nomeadamente da linguagem escrita ou oral, têm limitações na sua capacidade de entender o tom emocional de uma comunicação e a maneira complexa como as emoções interagem entre si. É possível que isso mude e até é possível que, um dia, as inovações tecnológicas atinjam um patamar que transforme repentinamente as sociedades e a condição humana de modo incontrolável e irreversível – a chamada singularidade tecnológica.

Para já, à medida que avançamos para território desconhecido, as empresas (e as pessoas) de maior sucesso serão as que melhor souberem combinar as capacidades analíticas e criativas da inteligência artificial com a criatividade, intuição e empatia humanas. As mesas de negociações não serão substituídas por interações entre chatbots, mas fazer um bom negócio exigirá novas estratégias e competências emocionais para se adaptar a estas mudanças.

[1] Estudos preliminares sobre o impacto da inteligência artificial generativa podem ser lidos aqui e aqui e confirmam efeitos sem precedentes em diversas profissões, com ganhos entre 35% e 50% na produtividade das tarefas.