Sobrinho de um dos melhores forcados de todos os tempos e irmão de vegetariana, encontro-me no meio da arena entre as feras nesta praça da primavera.
Entre brados e olés da multidão reina a confusão entre aficionados e abolicionistas, todos eles aguerridos na defesa das suas convicções. Extremam-se posições, apelam-se às emoções, argumentos bravos nesta longa disputa onde abunda o snobismo.
Começando com a figura primordial desta lide, o Toiro. Aqui se divide o campo nesta primeira batalha, entre o próprio campo e a cidade, entre o Urbano Depressivo, que possui um felino na marquise, e o agro-beto, que cria e consome bovinos. Deixando de lado moralistas, antiquários e fadistas, desamparando frustrações e contradições, averigue-se se o animal que humilha também é humilhado.
Seguramente o respeito que assumimos pela fauna deste globo está interligado a evoluções geracionais, contudo não é próprio de ideologias partidárias, não é uma invenção de partidos imberbes, nem uma exclusividade do nacional-socialismo germânico.
Descartando Descartes, porém socorrendo-nos a iluminados e acertados argumentos de Rosseau, e sobretudo ao bom senso, virtude que a nossa espécie adquiriu, o animal de forma bastante clara merece ser escudado na qualidade de ser vivo dotado de sensibilidade. Não devemos adotar práticas déspotas perante animais, e sobretudo fazer disso um espetáculo abjeto, pois a tourada é mais que isso.
Muitos dissertaram pela nobre via da poesia e outros tantos esculpiram os seus pontos de vista em 280 caracteres, conseguiremos entre tanta erudição identificar o que realmente é a Tauromaquia? Um festival de vaidades entre guizos, chocas e capotes, ou uma verdadeira tradição?
Há que dizer que uma tradição não é somente uma prática reiterada, também há seculos que se delapidam paredes e se urina na via pública, porém não se tornou tradição, por não terem a si associados uma carga axiológica, mas haverá valores neste bailado? A nobreza que se empenha na lide a cavalo, a empatia que se desenvolve entre cavaleiro e equídeo, a humildade, camaradagem e abnegação de Homens corajosos que enfrentam o touro de caras, são valores indissociáveis e razão de ser desta tradição.
Não obstante tamanho estatuto alcançado, ninguém nos leva ao engano, o mesmo não legitima tudo, até porque nem tudo na tourada é tradição. Touros de Morte, situação que milagrosamente se perpetua num enclave em solo alentejano, não é tradição é atrocidade, ferir o animal, infligindo-lhe gratuitamente dor, não é tradição, é despotismo. Deixemos o sangue nas mãos de nuestros hermanos e
concentremo-nos na arte Humana. Que se espetem bandarilhas de esperança no discernimento através de ventosas que nos agarrem de volta ao sensato, porque tudo o mais são tretas.
Chegou o tempo em que a Tourada se tornou anacrónica, ou se adapta ou corre o risco de ser extinta por fundamentalistas e populistas. A procrastinação só nos causará dano de espera, eis a altura de uma solução de compromisso. Nem todos concordarão com cedências por mais significativas que sejam, ou porque um velcro nunca será esteticamente aprazível, ou por falácias bola de neve, ou ainda argumentando que o animal estará sempre a ser instrumentalizado, tal como o cão quando na sua inocência vai buscar um osso, e o cavalo é montado contra a sua vontade, pois essas nem são das maiores simbioses existentes no nosso planeta.
Como dizia o inteligente Ary dos Santos, acabaram-se as canções! Toque-se o Paso Doble e afugente- se os galifões de crista dos camarotes e barreiras de ambos os lados da intransigência. Chegou o momento de pegar este mundo pelos cornos da sua desgraça, e fazer da tristeza graça.