O Congresso e os objetivos que serviam ao novo líder do PS foram atingidos: um PS unido, a vitimização de António Costa, a diabolização da Justiça e de Marcelo Rebelo de Sousa, fazendo-se de conta que tudo o que tem sinais positivos resultou dos governos socialistas e todos os problemas existentes são da responsabilidade do diabo (direita e Passos Coelho).

É politicamente relevante a narrativa, que parece estar a dar resultados, e que transforma a derrocada da maioria absoluta corroída por dentro. Numa estratégia bem delineada, foram várias as figuras mais próximas de Costa que atacaram a justiça, em especial o Ministério Público, fazendo o mesmo com Marcelo Rebelo de Sousa. Esta estratégia, que está a resultar no universo do eleitorado socialista, parece, no entanto, não ter agradado ao novo secretário-geral do PS.

Por outro lado, a ideia de que todas as fragilidades sentidas na sociedade portuguesa continuam a ser da responsabilidade da direita, conseguiu penetrar no miolo do congresso anestesiado com os “encantos do novo chefe”. Falta saber se estas narrativas ficaram nas “bolhas” do congresso e no universo dos militantes do partido ou saíram destes espaços e entraram no eleitorado mais moderado que vota em função das conjunturas.

Apesar de durante mais de oito anos termos três governos PS e uma maioria absoluta, a mensagem, repetida até ao limite, foi a de que os problemas graves existentes – designadamente na saúde, na habitação, na educação e a degradação progressiva dos serviços públicos, para referir apenas alguns – são consequências do diabo.

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Não obstante, Pedro Nuno Santos conseguiu, nas suas mensagens lidas nas entrelinhas, criar a ideia de que os governos do PS e de António Costa andaram a “arrastar os pés” durante todo este tempo face aos desastrosos resultados em políticas como a saúde, a educação e a habitação.

Com uma coreografia delineada e conseguida com eficácia, a despedida de Costa foi feita sem grandes estragos. A unidade conseguida sem grandes sequelas, com listas comuns de um “PS inteiro”, mas com a ideia de que “agora somos nós” sempre presente, onde todos têm lugar, dos socráticos aos costistas, passando pelos históricos, que se juntaram para virar a página com o novo líder, a fazer passar a mensagem de fazedor.

Pedro Nuno Santos aguenta uma narrativa de enaltecer a herança de António Costa e, ao mesmo tempo, prometer a paradoxal mudança na continuidade, para não ferir suscetibilidades e embalar militantes. Ficou, por isso, claro que no próximo dia 10 de março o país vai decidir se quer um governo de esquerda, com nova geringonça PS, BE, PCP, Livre e PAN, ou abrir caminho a um debate sobre se a AD (PSD, CDS e PPM) consegue fazer maioria com a IL. Se a direita democrática ganhar as eleições e formar governo, mesmo com a Iniciativa Liberal, abre-se um novo debate sobre o papel da extrema-direita em Portugal.

O Chega, de André Ventura, vai crescendo, embalado com o voto de protesto que tem servido, nestes últimos anos, a estratégia do PS, porque quanto mais cresce mais esvazia o PSD, que tem dificuldades de descolar e afirmar-se como alternativa. Com a AD abre-se um novo ciclo que terá de ser clarificador para a direita democrática e poderá servir de tampão ao crescimento do Chega e das políticas de extrema-direita, retirando motivos para que muitos cidadãos usem o seu voto como arma de protesto.

Encerrado o processo do virar de página no PS e a criação de um nova AD, poderemos a partir da madrugada do próximo dia 11 de março abrir um debate sobre o reforço e qualificação da democracia, repondo grande parte da esperança, inspirada no 25 abril, que se foi esvaziando.