Ex.mo Sr. Primeiro Ministro,
Desde o princípio da pandemia, em março do ano passado, há muitas coisas que eu e muitos portugueses não conseguimos perceber. Ainda vou percebendo que os portugueses sejam mais ou menos culpados de todos os problemas, pois todos somos portugueses: governados e governantes.
Mas quem tenta acompanhar a evolução da pandemia e as medidas que vão sendo tomadas, não pode deixar de ficar baralhado com uma grande parte das medidas e os seus efeitos.
Até há pouco tempo, era necessário decorrerem duas a três semanas para que as medidas produzissem efeito. Apertávamos ou alargávamos as medidas e os contágios ou a sua contenção começava a acontecer passados 15 dias.
Mas agora tudo mudou!!
As medidas tomadas no Natal produziram efeito apenas alguns dias (menos de oito) após o Natal. E a passagem de ano, então, começou logo a produzir os seus efeitos de subida de contágios menos de dois dias depois.
O aumento dos óbitos, então, que até Novembro ocorria apenas entre três a quatro semanas após o aumento dos contágios, começou a acontecer a apenas 10 dias depois do Natal.
Impressionante. Esta evolução do vírus deve ser devida a alguma alteração genética e deve estar a baralhar os próprios cientistas.
Falando agora sem cinismo, deixo algumas questões:
- Como é que se pode atribuir o aumento atual de contágios apenas e exclusivamente ao Natal e fim de ano, se no dia 29 de Dezembro, quando começou a disparar o número de infetados, apenas tinham passado quatro dias do Natal?
- Como é que se pode relacionar os 7600 casos de dia 31, ou os sete mil de dia 1, com a “irresponsabilidade” dos portugueses? Apenas seis ou sete dias depois?
- Como é que se consegue relacionar o atual aumento de óbitos com o crescimento de contágios no Natal, quando ainda só passaram 20 dias do Natal e apenas 11 dias do disparar do número de casos?
- Não será que este aumento exponencial de casos já vem desde antes do Natal (confirmado pelo número de óbitos atual) e pouco ou nada terá ainda a ver com a “irresponsabilidade” dos portugueses durante as festas?
- Não é verdade que essa “irresponsabilidade” se faria sentir apenas a partir de agora, em número de casos?
- Porque razão não prepararam o SNS e todo o sistema de saúde para a possibilidade de crescimento da pandemia tal como estamos a assistir? Era assim tão imprevisível? Não me parece.
- Porque razão andavam tão contentes no verão, quando tínhamos 300 casos diários, quando já muita gente falava da grande probabilidade de o vírus ser sazonal?
- Porque razão a Ministra da Saúde, em outubro, prometeu 17 mil camas para assistir doentes Covid e quando temos 3.500 internados já temos os hospitais em rutura?
- Porque não foram criadas muito mais UCI’s?
- Porque é que só agora se começa a falar em montar ou reativar hospitais de campanha?
- Porque é que os privados são tão maus e agiotas para fornecer serviços hospitalares, mas já o não são para fazer os milhões de testes e de vacinas?
- Quanto é que o país já gastou em testes e vai gastar em testes e nas vacinas?
- O que é que se está a passar nos lares de idosos, os quais são responsáveis por um terço das mortes de Covid?
- O que foi feito nos lares, desde março, sabendo que estes eram os principais afetados por este vírus? Pelo que sei, foram completamente abandonados pelo Estado. Não terão obrigado os lares a serem prestadores de cuidados de saúde, quando a maior parte deles não estava, nem poderia nunca, estar preparada para isso?
- Porque razão continuam a tomar medidas com tão poucos resultados na diminuição de contágios e com implicações tão profundas em toda a sociedade e economia? Como, por exemplo, a proibição de vender bebidas alcoólicas a partir das 20h, ou o fechar do comércio a partir das 13h, ou agora o confinamento total e tantas outras…
- Porque razão o sapateiro da minha rua tem que fechar as portas, quando apenas ele lá trabalha e recebe meia dúzia de clientes por dia?
- Porque razão temos todos que usar máscara na rua, quando está cientificamente provado que para haver contágio temos que estar com uma pessoa infetada durante 15 minutos, pelo menos, e a uma distância inferior a 1,5 metros?
- Porque razão têm as lojas que fechar, quando já era cumprido o uso de máscara e o número máximo de pessoas no seu interior?
- Porque razão têm os restaurantes que fechar, quando já cumpriam os rácios de pessoas por metro quadrado e o máximo de seis pessoas por mesa?
- Porque razão enviam os alunos para casa, quando uma grande parte não tem internet ou computadores para aceder normalmente a aulas online, nem as escolas são grandes focos de contágio?
- Onde estão os milhares computadores prometidos para Setembro de 2020?
- Porque é que vamos mudando os países com os quais nos comparamos à medida que o tempo avança? Começámos por nos comparar com a Suécia ou Espanha e agora já nos comparamos com os EUA ou o Brasil, ou tentamos arranjar um país que ainda esteja pior do que nós….
A “irresponsabilidade” dos portugueses, a ter consequências, começará apenas a ser sentida a partir de agora, em número de contágios. Em número de óbitos, só mais daqui a 15 dias é que será sentida.
Não culpem os portugueses, ou pelo menos os governados. Comecem a pensar, que talvez seja necessário preparar mais para mitigar os efeitos do que tentar, a todo o custo, controlar os contágios que podem depender, sim, dos nossos comportamentos, mas também (talvez principalmente) da própria atividade do vírus.
Não matem as pessoas com a cura.
Pelo conhecido princípio de Pareto, apenas 20% das causas originam 80% dos problemas. Aqui não deve andar longe disso.
Nas empresas, aprendemos a identificar e a atacar estes 20% de causas. Não disparamos para todo o lado, pois só assim se conseguem resolver os problemas com eficiência.
Na pandemia, apenas conhecemos uma pequena parte dos contágios e por vezes não os queremos reconhecer, como é o caso dos transportes públicos. Era bom que se tentassem tomar as medidas corretas para controlar os contágios e não fechar de toda a gente em casa.
Resulta mas…..
O confinamento geral devia ser uma medida de último recurso quando todas as outras já tivessem sido tomadas. Proteger os lares e dar-lhes apoio financeiro para se apetrecharem de pessoas e equipamentos podia ter sido uma delas, ou preparar melhor todo o sistema de saúde.
Cumprimentos deste seu governado, que ajuda a pagar o seu salário e todas as despesas do país que são feitas com demasiada facilidade.