Um político escrever um livro sobre Estados Ampliados de Consciência pode parecer, à partida, contraditório. Existe a noção de que a classe política prefere mais o povo a dormir, do que acordado. Todavia, é precisamente a partir da acção política, que podemos mudar o mundo.

O cenário actual, que vivemos enquanto sociedade global e onde Portugal não é excepçao, é o de um aumento preocupante no consumo de drogas legalmente prescritas e de um aumento da mortalidade relacionada com este uso. Tornou-se, para mim e perante este cenário, um verdadeiro imperativo moral: agir.

O número do consumo de antidepressivos no nosso país, mais do que triplicou nos últimos anos. Em 2020, éramos o quinto país da OCDE com maior consumo destes fármacos. Em 2021, vendiam-se umas impressionantes 28 mil caixas por dia de antidepressivos, em território nacional. O nosso país continua a ser um dos países da União Europeia com maior risco no consumo de opiáceos. Entre 2017 e 2018, as overdoses provocadas pelos mesmos, perigosamente duplicaram.

No entanto, sob a capa da legalidade, nem ousamos questionar o uso destas substâncias. Até que ponto, não pensamos que ao ingerir um fármaco prescrito, estamos isentos de contra-indicações? Levamos anos e anos de debate, sobre a fronteira artificial da legalidade e da ilegalidade de substâncias, baseadas em construções morais, culturais e políticas e cada vez menos atentas à investigação científica que tem ocorrido na sociedade contemporânea.

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Rotulamos algumas, como o álcool, a cafeína ou o tabaco como legais, relegando algumas plantas, por exemplo, que são usadas há milhares de anos em diversas culturas, categorizando-as na fronteira por vezes subjectiva da ilegalidade. Contudo, mais de 40% dos estudantes entre os 15 e os 16 anos, em Portugal, consome álcool regularmente e entre 2016 e 2018, existiu mesmo um agravamento da mortalidade por doenças atribuídas ao álcool.

Num país deprimido, que se vai deslocando para a cauda da Europa, com baixos salários e um Estado muitas das vezes ineficiente, após uma pandemia e uma guerra mesmo às nossas portas, muitos portugueses fazem agora da medicação um hábito diário.

Medicam-se adultos, idosos e crianças. Tomam-se comprimidos para acordar ou estimular e tomam-se comprimidos para acalmar ou adormecer. Distribuem-se, quase de forma aleatória, compridos a crianças para que fiquem focadas e quietas, para que aguentem 90 minutos seguidos de aulas e não perturbem a turma.

Muitos outros, procuram o seu refúgio em programas televisivos, ou desfilam os seus dedos fazendo scroll no telemóvel, consumindo tudo aquilo que os distraia, que lhes provoque um estado de alheamento do mundo exterior, da sua vida real. Para milhões de pessoas, a vida começa apenas ao sábado para terminar de imediato logo ao domingo, véspera de voltar ao seu trabalho. Haverá alternativas?

Após uma pandemia que a muitos isolou dentro de casa e os recordou da finitude da vida, teremos tido espaço para reflectir o suficiente? Quando nos olhamos ao espelho da nossa alma, gostaremos daquilo que vemos?

Foram estas questões que me fizeram investigar os Estados Ampliados de Consciência e de que forma os podemos atingir, seja através da meditação, do som, de plantas ou do uso de enteógenos. Pelo caminho, descobri que a medicina e a ciência têm feito uma evolução tremenda em tratamentos para doenças como o cancro, parkinson ou a depressão profunda, recorrendo aos chamados psicadélicos, que voltaram a estar na ordem do dia e nas bocas do mundo.

Naturalmente, que tudo isto me leva a questionar se muito daquilo que nos é apresentado, não será afinal envolto mais em preconceitos morais, políticos e sobretudo económicos. Tendo eu uma voz activa na sociedade, seria impensável não incentivar a investigação a fundo destes temas e ajudar a desmistificar crenças infantis e lugares-comuns. A política é, antes de mais, um serviço público e perante o agravamento da saúde mental em Portugal e da falta de respostas do nosso sistema nacional de saúde, torna-se crucial que as pessoas estejam devidamente informadas.

Em Silicon Valley, as gigantes tecnológicas como a Google ou o Facebook, por exemplo, criaram salas e câmaras de meditação nos seus escritórios. Inspiradas na construção dos bunkers, a experiência passa por desligar cada trabalhador do mundo exterior, largando o ruído do quotidiano e através de sequências de cores e de luz, conduzi-lo a um estado ampliado de consciência. No sítio mais tecnológico do planeta, a meditação é encarada como o combustível que desbloqueia a produtividade e fomenta as explosões criativas.

Em Portugal, tardamos em olhar lá para fora e copiar os bons exemplos, por demais comprovados pela ciência. Apenas avançamos timidamente. Esta ausência de espírito crítico que se generalizou em algumas elites políticas, mantém-nos reféns da realidade que para nós criaram.

Escrevo, a partir do concelho mais visionário de Portugal, sem responsabilidades na definição de políticas públicas nacionais, mas com a responsabilidade de partilhar a minha reflexão sobre estes temas, uma visão transpartidária e transnacional. No final, o legado que podemos e devemos deixar às gerações futuras, é o da verdadeira significação das nossas vidas. Só lhes podemos deixar o legado da responsabilidade e do trabalho, mas também o da coragem e ainda o de falar alto, sempre que necessário. Especialmente, “quando o rei vai nu e ninguém lhe diz”.

Assumo assim, tranquila e desprendidamente, esse ato de rebeldia.

Vereador da Câmara Municipal de Oeiras. Autor de “Estados Ampliados de Consciência – O Livro do Despertar”

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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