De acordo com o INE, a população residente em Portugal, diminuiu cerca de 87.000 pessoas em 10 anos (2012-2022).
De acordo com as mesmas estatísticas, o número de alojamentos familiares clássicos aumentou, no mesmo período, em cerca de 123.500.
A pergunta natural é, se há menos pessoas, e se há mais alojamentos, porque é que temos uma crise de habitação com falta de casas?
Bem, não há uma única resposta para esta pergunta, mas um somatório de respostas, cada uma com o seu impacto. Se olharmos para o que aconteceu do lado da procura:
- A estrutura familiar alterou-se significativamente – hoje temos muitos mais “famílias” de pessoa só (em 2011 eram 866.000 em 2021 eram 1.027.000, mais 161.000), tal como o número de famílias com duas pessoas (mais 105.000) logo, para as mesmas pessoas, são precisos mais alojamentos.
- Concentração de população em determinadas zonas – existe uma tradicional migração interna do interior para o litoral e centros urbanos, por outro lado a emigração concentra-se em determinadas regiões. Com a imigração e as migrações internas assistimos a aumentos de residentes nos distritos de Lisboa (a população da área metropolitana de Lisboa subiu 2,5% entre 2015-2022 – 70.000 pessoas), Porto e Faro (subiu 4,5% – cerca de 20.000 pessoas).
- Os vistos gold, embora com um impacto limitado (cerca de 1200/ano) e para habitações com um perfil não acessível ao português médio, fazem, no entanto, parte da equação do aumento da procura.
- O alojamento local teve algum impacto, embora também limitado. No distrito de Lisboa há 27.500 registos (20.000 em Lisboa), muitos deles não-ativos (há proprietários que mantêm o registo para poderem manter essa opção, que a lei já não permite obter em certas zonas). Uma parte significativa destes fogos resultaram de recuperações em zonas históricas de Lisboa, que não teriam sido disponibilizados para habitação, e logo não resultaram de perdas líquidas da oferta.
- O aumento de procura por parte de imóveis para alojamentos de estudantes – o número de estudantes estrangeiros a estudar em Lisboa e noutras zonas do país (resultante da qualidade das escolas versus custo de ensino) aumentou significativamente (há 10 anos, 2012-2013, havia 31.000 estudantes a frequentar o ensino superior, enquanto que em 2022 havia cerca de 70.000), levando ao aparecimento de projetos de alojamento de estudantes e ao aluguer de quartos e apartamentos, reduzindo oferta disponível para fins habitacionais.
- Procura de espaços hoteleiros – só em Lisboa estavam, em finais de 2021, 35 projetos em pipeline (94 em todo o país), correspondendo a 4120 quartos (de acordo com a Lodging Econometrics). Resultante do crescimento do nosso mercado turístico e da necessidade de dar resposta a essa procura, opta-se por este tipo de empreendimentos em vez de blocos habitacionais.
- A adicionar a tudo isto, a guerra na Ucrânia levou a um afluxo temporário de refugiados (de acordo com o SEF haviam 56.528 títulos concedidos em junho 2023), que colocou uma pressão adicional no mercado de arrendamento, já de si no seu limite.
Podemos concluir que o aumento da procura em determinadas zonas, (Grande Lisboa, Algarve, Porto) devido ao conjunto de fatores mencionados, adicionado à falta de oferta de novos fogos, levou a que o valor dos imóveis subisse continuamente nos últimos anos, centrado nas zonas referidas. Não parece haver crise de falta de habitação fora destes grandes centros de atração, embora nalgumas zonas vizinhas se comece a sentir aumentos de preços por efeito da capilaridade.
Não é previsível que a atratividade do país mude radicalmente no curto prazo, ou que as medidas legislativas disponibilizem repentinamente mais construção ou coloquem mais imóveis no mercado de venda ou arrendamento, logo, e infelizmente, a situação não irá mudar nos próximos anos.