Nos primeiros dias do último mês de janeiro, foram debatidos na Assembleia da República vários projetos de resolução relativos à linha ferroviária de alta velocidade entre Lisboa e Porto, no âmbito do Plano Ferroviário Nacional.

As principais orientações do Plano supramencionado passam por reduzir o tempo de ligação entre Lisboa e Porto, levar a ferrovia a todas as capitais de distrito, melhorar as ligações transfronteiriças ibéricas assim como efetuar a integração na rede transeuropeia.

Está contemplada uma nova linha entre Aveiro e Vilar Formoso, a ligação Ferroviária a Trás-os-Montes, a estruturação das linhas do Alentejo e Algarve, uma nova travessia ferroviária sobre o Tejo e um novo acesso a Lisboa através da Linha do Oeste. Aborda também a reformulação do Transporte de Passageiros Metropolitano e Local, a saber:

Área Metropolitana de Lisboa;

Sistema Metropolitano Norte Litoral (Aveiro, Braga e Porto);

Região Centro;

Alentejo;

Algarve.

Algumas das orientações do Plano são ainda assim muito genéricas tais como a não fixação de prazos, apontando apenas para um horizonte indicativo de 2050, e a não quantificação de custos associados a cada obra. Ainda assim, e através de informação disponibilizada no Portal do Governo, foi tornado público que iria ser antecipada, para 2034, a conclusão da ligação ferroviária de alta velocidade entre Lisboa-Madrid e apontado o ano de 2030 para a conclusão da linha de alta velocidade Porto-Lisboa.

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No meu entendimento, estes avanções temporais no Plano mantêm uma das questões mais controversas em aberto, que passa pela criação de uma rede de alta velocidade em bitola ibérica, tornando Portugal numa ilha ferroviária na Europa.

Em Espanha, no ano de 1992, foi inaugurado o primeiro troço da rede de Alta Velocidade executada em bitola europeia, ligando Madrid a Sevilha. Atualmente, as linhas de alta velocidade no país vizinho já chegam à maioria das principais cidades do país. Para além disso, a rede de alta velocidade espanhola já está ligada à rede francesa através de uma ligação na Catalunha. Os comboios que efetuam rotas internacionais já não necessitam de parar na fronteira, possibilitando ligações entre Barcelona-Lyon e Madrid-Marselha. Está também em construção uma outra ligação através do País Basco, que irá permitir uma segunda ligação a França em bitola europeia.

Espanha já tem mais de 3000 km em bitola europeia e será uma questão de tempo até que a grande maioria das linhas de caminho de ferro migrem para a bitola ibérica. Esta expansão da alta velocidade tem vindo a ser efetuada de uma forma faseada. O país vizinho possui comboios de alta-velocidade bi-bitola, recorrendo a intercambiadores, ou seja, estão concebidos, a percorrer as novas linhas, assim como as antigas.

Por razões históricas, as linhas de caminho de ferro existentes nos Estados Bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia) são de bitola russa, o que faz com que estes três países estejam desconectados das restantes linhas ferroviárias da União Europeia. Visando quebrar este isolamento, os três estados bálticos ratificaram, em 2017, o acordo Rail Baltica que preconiza a construção de uma linha de alta velocidade que irá ligar as principais cidades destes países à Polónia promovendo a interligação dos estados Bálticos à rede europeia ferroviária. Está prevista a inauguração da Rail Baltica para 2030.

Face às realidades acima relatadas, a defesa da opção da bitola ibérica em Portugal em detrimento da bitola europeia é reveladora das ideias retrógradas ou negligentes dos decisores políticos, já que condenam o país ao isolamento ferroviário, contrariamente às boas práticas adotadas por alguns dos nossos parceiros europeus.

Do que Portugal carece é de comboios que percorram a linha de bitola europeia de alta velocidade e linhas convencionais, com o recurso a comboios bi-bitola e intercambiadores. Estes intercambiadores poderiam ser colocados à medida que a rede de bitola europeia fosse crescendo, aproveitando assim os recursos existentes e futuros. Se adotássemos a bitola europeia nas novas linhas a construir, estaríamos a apostar no futuro da competitividade e da modernização da nossa economia no seio da União Europeia.

Aliás, a Comissão Europeia defende que todas as novas linhas ferroviárias a construir sejam executadas de acordo com a bitola europeia e que as linhas existentes com bitolas diferentes sejam adaptadas, como é o caso de Portugal, com a bitola ibérica e dos Estados Bálticos, com a bitola russa, de modo a que se possa circular em todo o continente com a mesma bitola indo ao encontro do objetivo definido por Bruxelas, que passa por “criar uma rede europeia unificada”.

Neste contexto, é urgente que o país aproveite os meios existentes e aceda a financiamentos específicos disponibilizados pela União Europeia para este efeito, de modo a poder vir a utilizar as duas bitolas em simultâneo otimizando os nossos recursos.