Fingir de morto é uma estratégia de defesa habitual na natureza para escapar aos predadores. Os sapos, por exemplo, são exímios no recurso a esta técnica. Mas uma não decisão também é uma decisão. E, no plano político, social e económico, a inação e o imobilismo raramente dão bom resultado.
Em Portugal andamos há décadas a discutir os mesmos problemas: a fraca produtividade da nossa economia, os baixos salários, a lentidão da justiça, o enorme peso da fiscalidade sobre as empresas e as famílias, os excessos da burocracia, as dificuldades do país em proporcionar melhores oportunidades de vida às suas pessoas e a falta de uma visão estratégica para Portugal.
É certo que muitos destes desafios não são exclusivos de Portugal, mas enquanto outros, como a Polónia ou a República Checa, têm sabido reduzir as assimetrias e reforçar a sua competitividade, Portugal tem-se sobretudo deixado ficar, qual sapo perante o inimigo, tentando acudir aos problemas – em geral, depois do prejuízo e com medidas avulsas – mais para parecer que se faz alguma coisa, do que para gerar resultados, e sem uma visão sólida e estruturada para o futuro para o País.
Mas não nos prendamos ao passado. É o que em economia chamamos um “custo afundado”. Não percamos mais tempo com novos diagnósticos. Esse trabalho está feito e o resultado da fotografia é claro e, em muitos casos, pouco lisonjeiro: entre 2000 e 2022 a economia portuguesa cresceu, em média, 1% ao ano. Em termos acumulados, o país gerou apenas mais 23% de riqueza neste período, enquanto Espanha cresceu quase do dobro. No mesmo período o conjunto das oito economias europeias que em 2000 tinham um PIB per capita parecido ao nosso – Itália, Espanha, Grécia, República Checa, Polónia, Hungria, Eslováquia e Estónia, cresceram quase 3 vezes mais.
Sem crescimento económico, não criámos novas oportunidades e, como consequência, muitos portugueses saíram do País: nos últimos 20 anos, 1,5 milhões de portugueses (perto de 15% da população) abandonaram Portugal – muitos deles com elevadas qualificações.
Este não pode ser o legado que queremos deixar para os nossos filhos e netos. Portugal pode e deve ser muito melhor.
Mas como fazer esta mudança acontecer?
Acredito que vivemos um momento propício para uma transformação. A entrada num novo ciclo político, que uma eleição sempre assegura, e os sentimentos de inquietude e inconformismo que se respiram na sociedade portuguesa são um convite à mudança, um chamamento à ação.
Esta inquietude exige dos partidos políticos e dos candidatos respostas concretas e detalhadas a algumas questões simples: como vamos destravar a criação de riqueza e o desenvolvimento social sustentável em Portugal? E qual o papel que o Estado, as empresas e os cidadãos têm nessa visão de um Portugal que será muito melhor?
Na Associação Business Roundtable Portugal (Associação BRP) acreditamos que Portugal pode e deve ser muito melhor. É possível em cerca de duas décadas voltar a colocar Portugal no ranking dos 15 países com maior PIB per capita da União Europeia. Para isso, Portugal tem de crescer em média 3,9% ao ano. Parece uma meta ambiciosa? Sim é, mas um país sem ambição e sem audácia é um país sem futuro e devemos isso aos nossos filhos e netos.
Acreditamos que o caminho da transformação social e económica do país começa por uma mudança de paradigma – um novo modelo.
Em vez de um Estado dirigista, precisamos de um Estado que confia e encara a criação de riqueza como um objetivo de interesse público e até uma ambição nacional.
Um Estado que ao invés de penalizar quem gera a riqueza, encoraja e celebra quem o faça – a bem de todos.
Um Estado que confia, simplifica e liberta, em vez de um que dificulta e penaliza.
Um Estado que em vez de assustar quem quer investir e empreender, incentiva, atrai e fixa novos investimentos.
Para isso, não são necessárias receitas complexas ou muito inovadoras: basta replicar medidas que já estão implementadas, de forma bem-sucedida, em alguns setores de atividade em Portugal. O Licenciamento Zero é um bom exemplo disso mesmo. Antes desta legislação, licenciar um hotel demorava mais de 10 anos. Em vigor desde 2010, este diploma destravou a capacidade dos portugueses de reagirem ao aumento da procura de turistas. O mesmo aconteceu no setor da restauração ou das atividades do mar. Não é um exemplo estranho de um outro país, mas um exemplo português que funcionou, criou crescimento, gerou receita fiscal e criou emprego. Hoje há quem defenda que temos turismo a mais. Acredito que temos é pouco dos restantes setores, que continuaram presos num licenciamento e regulações de um Estado que desconfia, que prende. Se funcionou em Portugal, porque não aplicá-lo nas outras áreas da economia?
Foi precisamente com o intuito de refletir e contribuir para um país mais desenvolvido que a Associação BRP desenvolveu recentemente o manifesto “Por um Portugal mais justo, mais próspero e mais sustentável” onde identificamos aquelas que são as principais prioridades – com medidas concretas – para catapultar Portugal para a linha da frente do crescimento e do desenvolvimento social, diminuir os níveis de pobreza e valorizar os portugueses.
Esta transformação começa em cada um de nós, mas depende também de uma ação coletiva. Todos – Estado, empresas e cidadãos – temos um papel ativo nesta mudança.
Começa por cada um de nós não aceitar que estamos condenados a não crescer e a ser pobres. Começa por cada um de nós acreditar que Portugal pode e deve ser muito melhor. Munidos dessa maior ambição, devemos agir e exigir aos outros que façam a sua parte.
Aos portugueses pede-se que não desistam de Portugal, que ficando no país se esforcem e continuem a apostar no reforço das suas qualificações e a lutar por um futuro melhor.
Às empresas pede-se que lutem todos os dias para crescer, com as pequenas a quererem ser médias, as médias a serem grandes e estas a quererem ser globais. Só com mais empresas grandes teremos melhores salários, mais investimento e as receitas fiscais necessárias para suportar o Estado Social que queremos e que permitirá sustentar a nossa população envelhecida.
Ao Estado exige-se que reconheça que a criação de riqueza é central ao interesse público e que continue a mudar os sistemas burocrático, regulatório e de licenciamento para um sistema –como o Licenciamento Zero – baseado na confiança nos portugueses.
É ainda fundamental o Estado incentivar os nossos jovens a ficarem e a desenvolverem-se profissional e familiarmente em Portugal. Para isso, propomos reduzir o custo do hiato fiscal (Tax Wedge) que tanto penaliza o emprego e os bons salários. Por exemplo, uma empresa que pretenda pagar 2.000 euros de salário bruto mensal tem de gastar em Portugal mais 3.000 euros por ano do que se o fizer na Holanda. Pior: o trabalhador português ganha menos 5.300 euros líquidos por ano do que se for contratado na Holanda. No total, são 8.300 euros de desvantagem fiscal para quem ganha 28.000 euros por ano.
Mas é também fundamental incentivar o investimento e a concorrência. Uma das medidas propostas pela Associação BRP é a simplificação do sistema de IRC, através da fixação de uma taxa única, correspondente à taxa efetiva (18,6%). Este seria um passo importante para abandonarmos o sistema hipercomplexo que temos e que gera custos elevados de compliance e litígios. Os números são claros: são necessários 846 dias para decisões na primeira instância dos tribunais administrativos. E, no total, temos entre 11 a 17 mil milhões de euros “a apanhar pó” nos tribunais, quando estes recursos podiam estar ao serviço da Sociedade e da criação de riqueza.
A inquietude é, por isso, o sentimento que deve dominar. Portugal pode e deve ser muito melhor.