Desde 16 de março que, por decreto governamental, as escolas portuguesas de todos os níveis de ensino estão encerradas. A eventual reabertura das escolas, a acontecer, abrangerá apenas o ensino secundário (11.º e 12.º ano). O ensino à distância, na modalidade de e-learning (ensino online), a par do regresso da telescola, que funcionou entre 1965 e 1987, para o primeiro ciclo, é para já a solução de aplicação mais imediata. O “ensino à distância – E@D” está regulamentado por Portaria 359/2019, de 8 de outubro. Nesta, o ministério da educação apresenta a E@D como uma modalidade de ensino alternativa, para alunos impossibilitados de frequentar aulas em regime presencial, alicerçada na “integração das tecnologias de informação e comunicação (TIC) nos processos de ensino e aprendizagem como meio para que todos tenham acesso à educação”.
Mas, naturalmente, a questão que se coloca, mais de 10 anos depois do investimento histórico no Plano Tecnológico da Educação cujos resultados ficaram muito aquém do esperado, é se os professores e os alunos têm as competências digitais que lhes permitam ter sucesso no ensino online? E as famílias possuem equipamentos e acesso à rede suficiente para o ensino à distância? E a exposição e segurança online dos mais jovens está assegurada? Existe informação fiável e recente que permita responder a estas e outras questões? Sim, existe: ICILS 2018.
O “International Computer Information and Literacy Study” (ICILS) é um estudo internacional, promovido pela IEA, que avalia a literacia de computadores e informação em jovens a frequentar o 8.º ano de escolaridade ou equivalente. Este tipo de literacia, segundo a definição da IEA, refere-se à aptidão dos alunos na utilização dos computadores para investigar, criar e comunicar, de forma ativa na escola, comunidade e em casa. Para além da literacia de computadores e informação, o ICILS recolhe também informação contextual sobre os alunos, professores e escolas, o que permite enquadrar os resultados dos alunos nos contextos e resultados dos programas nacionais de TIC. Portugal foi um dos 12 países que realizou o estudo em 2018, cujos resultados foram divulgados, e pouco disseminados, em novembro de 2019. A amostra portuguesa foi selecionada aleatoriamente de todos as NUTS III, tendo sido validadas 215 escolas, 3221 alunos (idade média de 14,1 anos) e 2823 professores.
1 A grande maioria dos alunos tem as competências necessárias para o ensino à distância
Os alunos portugueses obtiveram uma média de 516 pontos no teste, o que os coloca a meio da tabela dos resultados ordenados dos 12 participantes, a par da Alemanha, mas acima da França, por exemplo. Apesar de os resultados acima da média internacional (500 pontos), a distribuição pelo país revelou fortes assimetrias regionais. A R.A. da Madeira teve a menor pontuação (465 pontos) e o Algarve registou a pontuação mais elevada (547 pontos).
Cerca de 2/3 dos alunos referiu utilizar um computador há pelo menos 5 anos, mas a maioria não o fazia para fins escolares. Sete por cento dos alunos portugueses amostrados revelou competências abaixo da utilização básica (abaixo do nível 1 de desempenho, nos quatro níveis do estudo), 27% alcançaram o nível básico (nível 1), 46% ficaram colocados no nível 2, 19% no nível 3 e 1% no nível 4 (ver resultados aqui ou uma síntese aqui). No nível básico de literacia, os alunos são capazes de abrir uma hiperligação num navegador de internet, utilizar um aplicativo de comunicação, fazer utilização básica do email e de aplicativos para elaboração de textos e apresentações. Para além da persistência e gestão de tempo, as competências de nível 1 do ICILS são as mínimas requeridas para a utilização de plataformas de ensino à distância quer síncronas quer assíncronas. Os dados dos ICILS, obtidos numa amostra representativa dos alunos do 8.º ano, revelam que 93% dos alunos deste nível etário demostram ter as competências mínimas necessárias para aprender online, ainda que previsivelmente um terço destes alunos possa revelar dificuldades nos ambientes de aprendizagem online disponíveis na maioria das escolas (Moodle, Microsoft® Teams, Google® Classrooms).
É, porém, de referir que estes resultados estão longe de ser homogéneos a nível nacional. Por exemplo, na R. A. dos Açores, mais de um em cada quatro alunos não tem sequer competências de nível básico na utilização dos computadores. Em contraste, no Algarve, três em cada quatro alunos apresentou competências de nível básico ou superior (ver figura 2).
No referente à segurança online e uso de plataformas digitais, os alunos portugueses são, de entre todos os participantes, aqueles que se consideram estar mais bem preparados para um futuro online. Quase três em cada quatro alunos portugueses reconhecem a importância de alterar a sua password regularmente; verificar a origem de emails e anexos; ou partilhar informação de forma responsável nas redes sociais. Todos estes valores são consideravelmente superiores a outros países do espaço Europeu (p.e. a França ou Alemanha, onde pouco mais de um terço dos alunos reconhece a importância de mudar a password regularmente).
2 Os professores são a solução para o maior desafio da escola portuguesa
A classe docente, onde, antifraseando o ministro Tiago Brandão Rodrigues, “Ninguém está de férias”, está envelhecida (quase 50% dos professores tem mais de 50 anos de acordo com os últimos dados da DGEEC), recordada do fracasso do e-escolas, e consciente do depaupero de recursos e material informático da maioria das escolas. De entre os países participantes no ICILS, foi em Portugal que se observou a maior percentagem de professores que indicaram ter pelo menos 5 anos de experiência na utilização das TIC, quer na sala de aula (87%) quer na preparação das aulas (94%). Contudo, três em cada quatro alunos estudavam em escolas onde os coordenadores de TIC referem a falta de computadores eficientes e acesso à internet deficiente como sendo as principais limitações à utilização das TIC em contexto escolar (ver IAVE, 2019, p. 68). Relativamente à formação profissional, cerca de metade dos docentes inquiridos referiu ter frequentado formação sobre a utilização de aplicações TIC (e.g., processamento de texto e folhas de cálculo, uso da internet) e partilha de recursos digitais através de um espaço de trabalho colaborativo. O ICILS não tem informação sobre a utilização de plataformas ou ferramentas para ensino online. Mas, a julgar pela adesão ao grupo de apoio ao e-learning no Facebook, de professores para professores — 24 600 membros à data de escrita deste artigo), os docentes sentem necessidade de formação e partilha de informação sobre as ferramentas de e-learning e sua utilização em ensino à distância. Uma análise breve ao número de tópicos abordados revela a predominância das ferramentas colaborativas Microsoft® Teams e Google®Classrooms, bem como outros aplicativos genéricos (ver figura 3).
Os professores estão em num ativo e dinâmico processo de autoformação, colmatando de forma autónoma e expedita a quase inexistência de ações neste domínio organizadas pela tutela. Que os docentes estão entregues a si próprios é o sentimento dominante, e classe responde “presente!” ao maior desafio da escola portuguesa das últimas décadas.
3 O acesso à internet nas famílias dos estudantes portugueses é “quase” universal!
Finalmente, interessa aferir o grau de preparação das famílias para providenciar recursos para o ensino à distância aos seus educandos. De acordo com o ICILS 2018, 97% dos alunos tinham um ou mais computadores em casa, sendo que cerca de dois terços tinham dois ou mais computadores. O acesso à internet em casa foi referido por 98.6% dos alunos que participaram no ICILS. Em 2019, de acordo com o INE, 96.3% dos agregados com crianças tinha acesso à internet. É seguro afirmar que a grande maioria das famílias apresenta recursos para o ensino online. Ainda assim, e analisando a percentagem de agregados familiares (com e sem crianças) por regiões NUTS II são observáveis variações relativamente ao total nacional (80.9%) com a menor taxa de penetração observada no Alentejo (73.9%) e a maior na R. A. da Madeira (86.1%).
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Em suma…
Os dados mais recentes sobre a literacia digital dos alunos do 3.º ciclo, professores e recursos das famílias indicam que o país tem as condições necessárias para o ensino à distância da larga maioria da população escolar. Ainda assim, três por cento dos alunos não têm acesso a pelo menos um computador, numa população de quase 600 000 de alunos nos 2º e 3º ciclos (ver Pordata) — são quase 18 000 alunos a que um sistema inclusivo terá que dar resposta. Adicionalmente, é necessário considerar que a existência de recursos é condição necessária, mas não suficiente para assegurar o sucesso do ensino à distância. Outras características dos alunos, como a perseverança, gestão de tempo, motivação e independência, foco no estudo (por oposição ao surf da net), e um local de estudo sem distrações são tão importantes para as aprendizagens online quanto as competências básicas de utilização de recursos informáticos. Também do lado dos professores há um novo mundo que é necessário abraçar. Uma aula online não é simplesmente a transposição do quadro de giz para o quadro virtual. Os materiais da aula, a dinâmica da exposição, a interação online e offline com os alunos, e a avaliação de conhecimentos apresentam desafios novos que é preciso dominar. Ficar em casa para impedir a propagação do covid-19 é, de tudo isto, o mais fácil!
Professor associado de estatística e de métodos de investigação no ISPA-IU. Entre 2014 e 2017 foi vogal do C.D. do IAVE, I. P. onde coordenou os estudos internacionais de avaliação de alunos (PISA, TIMSS, TIMSS Advanced, PIRLS, ICILS).
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.