A oferta, por parte de D. Manuel I (1469-1521), de um elefante ao papa Leão X (1475-1521) terá sido o presente mais mediático de um monarca português durante toda a Época Moderna. Em 1513, o rei de Portugal enviou uma embaixada de obediência ao sumo pontífice, encabeçada por Tristão da Cunha, a qual desfilou na cidade de Roma, no ano seguinte. O cortejo integrava um elefante oferecido pelo rei de Portugal ao sumo pontífice por ocasião da coroação deste, o qual foi conduzido por um indiano, um nair ou mahout, proveniente de Goa, vestido de acordo com os usos locais. Esta comitiva exótica teve uma função propagandística utilizada para construir positivamente a imagem do rei e do reino.
O paquiderme, a quem Leão X deu nome de Hanno, ficou alojado no jardim papal do palácio de Belvedere e, posteriormente, foi mudado para um edifício localizado na praça de São Pedro. Participou inclusivamente em procissões. As fontes que descrevem esta embaixada e o impacto que o animal causou, inclusivamente nas artes e nas letras, quer durante a viagem quer em Roma, revelam o quão impressionante foi a observação do animal. Além do elefante seguiram outros bichos incluídos no régio presente, designadamente antílopes, gazelas, macacos e papagaios. Leão X pôde, deste modo, aumentar os efetivos do seu jardim zoológico, que contava com aves, macacos, leões, leopardos e ursos, de entre outros, habitualmente reforçado com espécies provenientes das ménageries da sua família, estante em Florença.
A partir do final de Quinhentos, os vários reinos europeus investiram no envio de representantes com caráter permanente, tornando-se cada vez mais comum a diplomacia bilateral. A partir de então, também se foi dando o alargamento das representações diplomáticas aos vários continentes, o que se repercutiu na ampliação dos temas negociados. Aos embaixadores no estrangeiro eram necessárias capacidades de negociar e de representar o monarca, de escrever relatórios, cartas e discursos, transmitindo informação e nem sempre se desprezava a espionagem. Também o conhecimento do cerimonial de cada corte era uma condição indispensável ao sucesso das missões diplomáticas.
Se nos fixarmos nos aspetos protocolares e cerimoniais, implicitamente ligadas às funções de representação, podemos verificar que foram, desde cedo, entendidos como cruciais na formação das práticas diplomáticas. Assim se compreende que os presentes revelem o respeito e a consideração face a quem é obsequiado e demonstram a grandeza e a liberalidade do ofertante. Um presente deveria impressionar, funcionando como instrumento de pressão diplomática. E o elefante, sem dúvida, que impressionou.
Os embaixadores, em cumprimento de ordens dos monarcas, ofereciam presentes com claros objetivos políticos e com ampla dimensão social e estética de modo a integrar o espetáculo da representação do soberano, quer dentro do mundo cristão quer fora. Qualquer oferta deveria tornar clara a grandeza e a riqueza do ofertante que, contudo, não deveria mostrar superioridade. Em cada missão, os embaixadores faziam-se acompanhar por uma comitiva e por um conjunto de bens, designados genericamente como presente. Nem todos eram destinados ao soberano, uma vez que importava obter um clima favorável, servindo-se de diversas personalidades designadamente familiares de quem detinha o poder, mas também outros cujas funções eram bem mais práticas.
Nos contactos com o mundo islâmico, antes do estabelecimento da paz com Marrocos, em 1774, na ausência de cônsules e de embaixadores portugueses, as ofertas por ocasião dos resgates de cativos significavam facilitar a multiplicação de contactos pacíficos e a convivência intercultural, com quadros normativos próprios que importava conhecer e respeitar. As escolhas dos presentes, compostos por alimentos, utensílios de mesa, tecidos, móveis e, pontualmente, objetos em metais preciosos, procuravam constituir amostras emblemáticas do reino ofertante, independentemente da generosidade poder conhecer constrangimentos económicos. Estas ofertas constituíram formas de interculturalidade entre a Europa e o Magrebe propiciando a circulação transcultural de bens através da mediação dos padres redentores, em Portugal os da Ordem da Santíssima Trindade da Redenção dos Cativos.
A Argel e Meknés chegaram gratuitamente produtos portugueses – doces, mobiliário, louça e vidros – bens de regiões sob o domínio luso – açúcar e cacau do Brasil, chá, têxteis e louças do Oriente – a par de produtos de vários espaços europeus, caso da França e da Holanda, a primeira representada com tecidos e a segunda com louças e têxteis. Contavam-se, assim, os mais variados produtos, de acordo com a produção e a importação de cada reino. Às cortes de Argel e de Meknés, aportaram produtos europeus, americanos e orientais, os quais constituíram uma forma gratuita de acesso a produtos de luxo, de uso corrente e por todos apreciados. O valor das ofertas evidenciava o estatuto do quem presenteava e definia a qualidade das relações entre os soberanos envolvidos. Os presentes assumiram um papel de comunicadores entre cortes sem laços dinásticos e em zonas culturais distintas, designadamente o sultanato de Marrocos e o império otomano.
A troca de presentes diplomáticos teve sempre um valor simbólico, variando de acordo com as ocasiões e constituindo um momento privilegiado para mostrar as riquezas e o poderio de cada reino, favorecendo os contactos interculturais. Os objetos europeus ofertados aos soberanos da Sublime Porta foram autênticos agentes de difusão da civilização ocidental no império otomano. Não obstante, naquela geografia se encontrarem artesãos especializados e qualificados, de ambos os sexos, organizados em guildas, que respondiam às demandas do mercado, produzindo, contudo, bens diferentes dos que se poderiam obter na Europa ocidental. Não havia falta de produtos de qualidade e de luxo nas cortes do Norte de África, mas os presentes diplomáticos transculturais europeus constituíam uma obrigação política e uma forma complementar de abastecimento de bens, diferentes dos que se produziam no Islão.
Os presentes diplomáticos constituíram armas pacíficas utilizadas pelos soberanos através dos seus embaixadores no estrangeiro, quer no mundo ocidental quer em outros continentes. Deveriam impressionar, funcionando como instrumentos de pressão diplomática, apesar de o seu valor ser simbólico. Faziam parte do espetáculo da representação do soberano.