“If … higher education institutions are also “free”, that only means in fact defraying the cost of education of the bourgeoisie from the general tax receipts.”
Karl Marx, Critique of the Gotha Program, 1875
Os alunos devem pagar uma contribuição para fazer os seus estudos no ensino superior através de empréstimos cujo pagamento corresponde a uma percentagem do seu rendimento futuro, e pago através de uma dedução no seu salário, tal como o IRS e as contribuições para a segurança social. Este tipo de solução permite maior eficiência e equidade no ensino superior, como demonstram os resultados obtidos em vários países, nas últimas três décadas.
Esta política permitiria um alargamento do acesso ao mesmo tempo que asseguraria um financiamento mais sustentável e melhoria da qualidade do ensino superior em Portugal. Fazê-lo agora permitiria ainda aprender com as experiências de outros países, de forma a ampliar os efeitos positivos e minorar os negativos.
É a única solução que permite financiamento suficiente do sistema de forma sustentável e com qualidade. As propinas de licenciatura são baixíssimas – muito menos do que se paga pelo infantário dos miúdos, o que também contribui para a baixíssima taxa de fertilidade em Portugal. Ensino superior gratuito ou quase tem um efeito regressivo. Em Portugal, o acesso continua a ser altamente iníquo: os que mais beneficiam do ensino superior tendem a ser ou tornam-se privilegiados. O ensino superior ser pago em grande medida pelos contribuintes não significa que se alargue o acesso a todos os que estejam aptos e motivados para estudar. Significa antes dar vantagem financeira a pessoas que na sua maioria já são privilegiadas, e que se tornarão ainda mais por se diplomarem, à custa de muitos que pagam impostos e que nunca tiveram esse privilégio. Em Portugal, os jovens dos 18 aos 24 anos sem pais com ensino superior têm uma probabilidade de ingressar no ensino superior 55% menor do que os outros jovens de 18 a 24 anos. É inquestionável o retorno público do ensino superior, mas não é menos o significativo retorno privado de quem o frequenta, apesar do aumento significativo da participação no ensino superior. E não são só os liberais a afirmá-lo, já Marx o tinha apontado há quase século e meio atrás, e foram governos trabalhistas que introduziram esta medida na Austrália e na Inglaterra.
O ensino superior em Portugal é manifestamente um caso de sucesso, seja no aumento incrível no número de diplomados, seja no crescimento e qualidade da investigação. No entanto, e sobretudo desde a suspensão da fórmula de financiamento no tempo da tróica, que se vive uma situação de subfinanciamento crónico – o financiamento do próximo ano será inferior ao de 2010! Desde essa altura que o financiamento se faz com uma base histórica: recebe-se o orçamento do ano anterior, mais umas migalhas (quando as há), o que afecta gravemente sobretudo as instituições mais bem sucedidas e que têm crescido, o que está bem demonstrado num estudo recente que levei a cabo com o Luís Aguiar-Conraria e a Maria Luís Cerdeira. Passada mais de uma década da suspensão da fórmula de financiamento por falta de capacidade financeira do Estado, não se vislumbra que a situação se altere.
Os empréstimos que se propõem tem várias vantagens: têm em consideração o rendimento ao longo da vida do diplomado e não obrigam a pagamentos à entrada (ao contrário do que se verifica agora com as propinas), quem não atingir determinado rendimento não paga, e quem ganha menos paga menos, perdoa-se a dívida ao fim de n anos, eliminam a aversão aos empréstimos bancários (actualmente, o Governo disponibiliza uma linha de crédito para estudantes do ensino superior com garantia mútua, mas que é utilizada por um número ínfimo de alunos) porque elimina o risco de não pagamento, protegem-se os tomadores dos empréstimos em tempos de vacas magras, e recolhem-se mais fundos em tempos de vacas gordas, os com rendimentos mais elevados financiam as perdas dos com rendimentos mais baixos, e os pagamentos podem ser geridos pela autoridade tributária que funciona eficazmente em Portugal.
Não temos de reinventar a roda. Já vários países o fizeram (ex.: Austrália, Nova Zelândia, Inglaterra, Holanda, Coreia, Colômbia), pelo que sabemos que funciona, a que os estudantes aderem – mais vão para o ensino superior, sobretudo os menos favorecidos (é uma medida progressiva), que as universidades agradecem o financiamento assegurado, que se tornam mais responsivas às necessidades dos alunos, e em que os contribuintes são ressarcidos do financiamento que fazem do ensino superior, via sistema fiscal.
Se nada fizermos, vamos continuar a ver o nosso ensino superior a decair, a não conseguir competir internacionalmente, os nossos melhores alunos e professores a irem para o estrangeiro, aos mais pobres a continuarem a ficar de fora, às nossas universidades a ficarem cada vez mais dependentes do Estado, a agudizar o credencialismo ao nível de mestrados e doutoramentos, aonde as propinas são de mercado livre, e em que se aceita qualquer um desde que pague, a agravar desigualdades inter-geracionais, e à total incapacidade de as universidades trabalharem de perto com o mundo empresarial, administração pública e sector social para serem verdadeiramente motores de desenvolvimento da economia e da sociedade, que criem condições para retermos os nossos diplomados, em vez de eles fugirem para o estrangeiro.
O bom financiamento do ensino superior deverá ter três componentes: (1) financiamento às universidades via propinas e dinheiro dos contribuintes, reconhecendo os retornos privados e públicos do ensino superior, (2) financiamento dos estudantes via empréstimos contingentes ao rendimento para eles poderem pagar as propinas, mas, muito importante também, os custos indirectos de estudar (ex.: alojamento), (3) reforço do financiamento dos alunos de mais baixo estatuto socioeconómico no ensino não superior para que não deixem de ir para o ensino superior por falta de sucesso na escola.
Com a experiência acumulada de três décadas de outros países podemos fazê-lo ainda melhor, e fortalecer o nosso ensino superior!